James Bond. Inglês. Poirot. Belga. Closseau. Francês. Vito Corleone. Italiano. Maria Elena. Espanhola. E portugueses? Onde é que se encaixam os portugueses nos famosos filmes americanos ou, até, nos filmes mundiais que não do país de Camões? Desde que o cinema começou que tem retratado personagens de vários povos, mas personagens portuguesas são praticamente inexistentes. Para os americanos, como para muito boa gente, o Oeste da Europa termina em Espanha. E isto, para qualquer português que se preze, é um pouco enervante. Até o nosso actor de Hollywood mais famoso, Joaquim de Almeida, raramente fez de português nos filmes estrangeiros em que entrou. Fez de sul americano. Fez de italiano. Fez de francês. Para fazer de português, o homem tem que vir fazer um filme a Portugal (ou a França, como se viu!).
Mas felizmente há, na história do cinema estrangeiro, uma ou outra excepção digna de registo. Estas são as personagens portuguesas que imediatamente me recordei. Se o leitor se recorda de outras, não hesite em partilhar esse precioso conhecimento.
5. Rita (‘Miami Vice’, 2006)
Primeira cena de ‘Miami Vice’. Ouve-se Linkin Park. O detective Sonny Crocket (Colin Farrell) está numa discoteca. Quer passar despercebido e aproximar-se dos traficantes de droga que está a observar. Vai ao bar, pede uma bebida, e mete conversa com a escultural empregada que o serve. “Where are you from?”, pergunta. “Lisboa”, responde ela, “that’s in Portugal”. “Did you get your tan in Miami?”, continua ele, “What is your name?”. “Rita”, diz ela com um sorriso tentador. Sonny bebe uma bebida com ela e depois levanta-se. “See you later Rita”.
Em 2006, o público na sala de cinema onde eu estava deu uns gritinhos animados e praticamente aplaudiu este início inesperado, esta referência a Portugal. Interpretada pela modelo portuguesa Ana Cristina de Oliveira, esta personagem não volta a aparecer no filme e é, obviamente, apenas um aparte (quase) irrelevante. Contudo, há nela algo de especial, que fica connosco até ao final (e não estou a dizer isto só por ser português). Rita representa a beleza despreocupada de Miami, o lustro do prazer, e fica a ideia que se Sonny não estivesse em serviço e se não saísse disparado poucos segundos depois para perseguir um traficante, ficaria ali, colado a ela, a passar o serão. Ao mesmo tempo, é uma maneira subtil de introduzir a personagem de Sonny, e a sua profundidade emocional. Portanto é com algum pesar (não muito porque o filme é genial) que nos despedidos de Rita nos primeiros segundos de filme, com a promessa perdida daquilo que poderia ser.
4. Família Arujo (‘Mystic Pizza’, 1988)
Julia Roberts a fazer de portuguesa, ou pelo menos de filha de uma portuguesa?! É mesmo verdade e tão pouco credível quanto parece. O filme é ‘Mystic Pizza’, um drama ligeiro, coming of age, tão típico dos anos 1980, sobre três raparigas de uma pequena comunidade piscatória no Connecticut, maioritariamente constituída (supostamente) por portugueses e seus descendentes, que trabalham na Pizzaria que dá o título ao filme. Mas o retrato dos portugueses neste filme é tudo menos credível e fidedigno, e aliás, é completamente irrelevante para a história, que bem que podia ser exactamente igual com três raparigas americanas.
Supõe-se (ou suponho eu) que a família Arujo seja na realidade Araújo, mas seria pedir de mais aos americanos para pronunciarem o nome da família correctamente, já que até mesmo ‘Arujo’ têm imensa dificuldade em dizer. Com excepção de um cantor realmente português num casamento no final do filme, e de um poster dos Açores na Pizzaria, as referências a Portugal são extremamente duvidosas. As poucas palavras que pronunciam em “português” são claramente brasileiro, a dona da Pizzaria diz que a sua receita secreta para o molho da pizza foi-lhe ensinada pela sua mãe e avô, provenientes do Algarve (pizza do Algarve?!), e, tirando o apelido, ninguém tem um nome que se assemelhe remotamente ao de um português. Há ainda os vizinhos, os “Barboza”, e o escárnio dos ricos, que se referem aos “portugui” como seres menores, que trabalham na pesca ou como empregados de mesa.
Mas apesar de tudo as raparigas lá vão crescendo no amor e na vida, com tristeza e felicidade em doses iguais, com um final feliz (viva os 1980s!) e onde até a sua pizzaria se torna famosa. ‘Mystic Pizza’ podia estar para nós como ‘My Big Fat Greek Weeding’ (2002) está para os gregos ou ‘Moonstruck’ (1987) está para os italianos. Mas não. Serem portugueses é só uma linha no argumento que pouco interessa ao filme, e é notório o completo desconhecimento da cultura portuguesa que os argumentistas possuem. Parafraseando a minha querida avó, as meninas da família Arujo são tão portuguesas como uma vaca espanhola. Mas que outro filme alguma vez retratou, mesmo que fugazmente, a comunidade portuguesa na América? Ah pois...
3. Família Ribeiro (‘La cage dorée’, 2013)
Ao contrário da família Arujo, já a família Ribeiro é tipicamente portuguesa, e com orgulho nisso! Imigrados em França, Maria (Rita Blanco) e José (Joaquim de Almeida), ela porteira, ele empreiteiro (como todos os portugueses em França, parece dizer o filme) são árduos trabalhadores, são explorados pelos respectivos patrões, e anseiam o dia em que poderão regressar a Portugal. Vivem no universo cliché da comunidade portuguesa em França, uma comunidade de cafés com posters do Benfica, de pessoas que lêem ‘A Bola’, que forram os sofás com plásticos, que bajulam o Pauleta, que jogam ao bóssia nas ruas e que falam num dialecto de expressões semi-afrancesadas/semi-aportuguesadas, saídas directamente de um sketch cómico.
Já os filhos do casal tentam ‘escapar’ deste universo dos pais; o mais novo tem vergonha e mente sobre aquilo que os pais fazem e a mais velha ainda vive complexada com as suas origens, dividida entre seguir a sua vontade e ficar presa às tradições da comunidade.
O filme acaba por ser um pacote condensado do ‘português visto pelos franceses’, que peca por seguir estes lugares comuns. Sendo o realizador/argumentista um português de segunda geração, o filme rapidamente resvala para a perspectiva dos filhos, uma perspectiva nostálgica sim, de respeito sim, mas que não consegue deixar de ter um sentimento de vergonha escondida por alguns dos lugares comuns, e que é ela própria toda construída na base desses mesmos lugares comuns.
Assim, Maria e José acabam por ter pouca personalidade própria, presos às convenções (as que o filme retrata, mas também as do próprio filme). Divididos entre regressar ‘à terra’, às origens, ou ficar num sítio onde supostamente todos aprenderam a depender deles, e lutando contra o estereótipo e questões de identidade, é só quando aprendem a ultrapassar estes complexos que Maria e José (e o filme) ficam finalmente livres para tomar a decisão que os fará felizes. E é quando eles (e o filme), se aproximam de casa, de Portugal, que finalmente passam de um cliché a algo humano, e se aproximam do coração do espectador português. Se de mais nenhum, pelo menos dos portugueses. Sorte a nossa.
2. Aurélia (‘Love Actually’, 2003)
Quando em férias em França, o realizador e argumentista Richard Curtis teve uma empregadita portuguesa que não falava inglês (afinal os tipos da Gaiola Dourada até tinham a sua razão). Isto foi a inspiração para a personagem de Aurélia no filme seguinte que escreveu, ‘Love Actually’.
Confesso-me culpado no que concerne ‘Love Actually’. Gosto. Acho que é a melhor comédia romântica anglo-saxónica do século XXI. De 2003 até hoje muitas (inúmeras) imitaram o seu estilo, mas nenhuma lhe chegou aos calcanhares. É um filme estereotipado. É. Tem personagens unidimensionais e eventos totalmente incredíveis. Tem. Puxa ao riso e à lágrima só porque lhe convém e o todo não é completamente coerente. Confere. Mas isto é um mal menor de uma fantástica fantasia de Natal, de um conto de fadas moderno cujo objectivo é entreter e inspirar, cujo objectivo é encontrar motivos para amar; a época natalícia, a cara metade e a vida. E aí este filme conquista todos os pontos.
Um dos oito casais retratados no filme é precisamente o de um inglês, Jamie (Colin Firth) que vai para França escrever um romance, e da sua empregada, a jovem Aurélia (Lúcia Moniz, no papel da sua vida). Desastrada e tímida, e não sabendo falar inglês (a sério? nem uma palavra? nos tempos que correm?), Aurélia é claramente a cara metade de Jamie, também ele desastrado, também ele não falando uma palavra de francês. Talvez se pedisse um pouco mais de linguagem corporal nas cenas entre ambos (principalmente nas boleias até casa) para tornar a sua pouca química mais credível. Talvez se pedisse menos estereotipanço na grandiosa cena final, completamente desnecessária, que não se percebe bem se se passa em Portugal ou em França (aqui sim, entramos no universo de 'A Gaiola Dourada', sem tirar nem pôr). E é-me totalmente incompreensível como é que Aurélia se apaixonou por um tanso como Jamie (porque o argumento dizia que sim, claro está!). Mas apesar de tudo, a Aurélia de Lúcia Moniz consegue brilhar e ser um dos pontos altos deste filme.
A cena do lago levou o público da sala de cinema onde vi o filme pela primeira vez, na sexta-feira de estreia em Portugal, ao delírio; a sua última frase ‘just in cases’ deixa um sorriso na boca; e é de admitir que o próprio sorriso de Moniz é o mais cativante de todo o filme, batendo até o de Keira Knightley. Aurélia está bem caracterizada (é uma personagem e não um estereótipo nacional) e foi delicioso ouvir frases verdadeiramente portuguesas, pronunciadas por uma portuguesa, num filme deste gabarito, que correu o Mundo. É neste momento que temos de agradecer a essa anónima criada de Curtis.
E se por mais nada, esta presença de Aurélia suscitou também outra enorme mais valia. O ‘Portuguese Love Theme’, do compositor Craig Armstrong, é a melhor música da banda sonora original do filme. Incrível que nunca tenha sido adoptado pelos média ou pelos portugueses em geral, como o hino instrumental número um de amor deste país. Felizmente estou cá eu para dizer estas coisas.
Confesso-me culpado no que concerne ‘Love Actually’. Gosto. Acho que é a melhor comédia romântica anglo-saxónica do século XXI. De 2003 até hoje muitas (inúmeras) imitaram o seu estilo, mas nenhuma lhe chegou aos calcanhares. É um filme estereotipado. É. Tem personagens unidimensionais e eventos totalmente incredíveis. Tem. Puxa ao riso e à lágrima só porque lhe convém e o todo não é completamente coerente. Confere. Mas isto é um mal menor de uma fantástica fantasia de Natal, de um conto de fadas moderno cujo objectivo é entreter e inspirar, cujo objectivo é encontrar motivos para amar; a época natalícia, a cara metade e a vida. E aí este filme conquista todos os pontos.
Um dos oito casais retratados no filme é precisamente o de um inglês, Jamie (Colin Firth) que vai para França escrever um romance, e da sua empregada, a jovem Aurélia (Lúcia Moniz, no papel da sua vida). Desastrada e tímida, e não sabendo falar inglês (a sério? nem uma palavra? nos tempos que correm?), Aurélia é claramente a cara metade de Jamie, também ele desastrado, também ele não falando uma palavra de francês. Talvez se pedisse um pouco mais de linguagem corporal nas cenas entre ambos (principalmente nas boleias até casa) para tornar a sua pouca química mais credível. Talvez se pedisse menos estereotipanço na grandiosa cena final, completamente desnecessária, que não se percebe bem se se passa em Portugal ou em França (aqui sim, entramos no universo de 'A Gaiola Dourada', sem tirar nem pôr). E é-me totalmente incompreensível como é que Aurélia se apaixonou por um tanso como Jamie (porque o argumento dizia que sim, claro está!). Mas apesar de tudo, a Aurélia de Lúcia Moniz consegue brilhar e ser um dos pontos altos deste filme.
A cena do lago levou o público da sala de cinema onde vi o filme pela primeira vez, na sexta-feira de estreia em Portugal, ao delírio; a sua última frase ‘just in cases’ deixa um sorriso na boca; e é de admitir que o próprio sorriso de Moniz é o mais cativante de todo o filme, batendo até o de Keira Knightley. Aurélia está bem caracterizada (é uma personagem e não um estereótipo nacional) e foi delicioso ouvir frases verdadeiramente portuguesas, pronunciadas por uma portuguesa, num filme deste gabarito, que correu o Mundo. É neste momento que temos de agradecer a essa anónima criada de Curtis.
E se por mais nada, esta presença de Aurélia suscitou também outra enorme mais valia. O ‘Portuguese Love Theme’, do compositor Craig Armstrong, é a melhor música da banda sonora original do filme. Incrível que nunca tenha sido adoptado pelos média ou pelos portugueses em geral, como o hino instrumental número um de amor deste país. Felizmente estou cá eu para dizer estas coisas.
1. Manuel (‘Captains Courageous’, 1937)
O filme de Victor Fleming ‘Captains Courageous’ devia ser daqueles que passam (ou melhor passavam) na televisão portuguesa, constantemente, até à exaustão, nas épocas festivas, como ‘Ben-Hur’, ‘The Sound of Music’, ‘Wizard of Oz’ ou ‘Gone with the Wind’. Não por ser um intemporal clássico de família (também é, mas não assim tanto), mas por outro motivo não menos nobre. Spencer Tracy, o grande Spencer Tracy, um portento da actuação, um dos bastiões do clássico sistema de estúdios americano, ganhou o primeiro dos seus dois Óscares de Melhor Actor neste filme, a interpretar nada mais nada menos que um português! Nunca um português ganhou um Óscar, mas ao menos alguém a fazer de português já. É melhor do que nada.
Baseado no clássico livro de Rudyard Kipling, ‘Captains Corageous’ conta a história de um rapaz de famílias ricas, Harvey (Freddie Bartholomew) que fica à deriva no mar depois de cair de um transatlântico. É resgatado por um humilde marinheiro português, Manuel, tripulante de um navio de pesca. O navio tem longos meses de alto mar pela frente até regressar a terra, onde o rapaz poderá eventualmente reencontrar os pais, mas durante esse tempo Harvey é forçado a permanecer no navio. Inicialmente, tal como foi toda a sua vida, ele é mimado e respondão, vive convencido que todos são os seus criados e que pode fazer o que quer, e conhece pouco os factos da vida. Mas à medida que o tempo vai passando, as aventuras que vai tendo e a vivência a bordo do navio irão quebrar a sua mimalhice, e a sua relação com Manuel, que se torna o seu protector e pai adoptivo, vai evoluindo, até Harvey se tornar, finalmente, um homem.
Se o ‘heroi’ do filme, em teoria, é o miúdo, é mais que consensual que, como Manuel, Tracy rouba o show completamente. O seu sorriso jovial, a sua simpatia, a sua humildade, a sua alegria despreocupada, o seu conhecimento da escola da vida apesar de não ter educação (pobre mas feliz), a sua enorme paciência, o seu gigantesco coração, e a sua audácia e espírito de sacrifício quando é mais preciso, no clímax trágico do filme, tornam-no uma personagem cinematográfica memorável, um herói trágico cujos feitos não são tão cantados quanto deveriam. Manuel bem que poderá ser a maior homenagem que alguma vez foi feita ao marinheiro/pescador/descobridor português (algum filme português atingiu isto?), mas talvez seja mais difícil detectar estas suas características no português actual…
Excelentemente escrito e extraordinariamente interpretado, livre dos clichés do ‘português’ mas fiel à essência deste nosso grande povo, Manuel é uma icónica e imortal personagem cinematográfica, e o maior português que alguma vez existiu na ilusão da sétima arte estrangeira.
Baseado no clássico livro de Rudyard Kipling, ‘Captains Corageous’ conta a história de um rapaz de famílias ricas, Harvey (Freddie Bartholomew) que fica à deriva no mar depois de cair de um transatlântico. É resgatado por um humilde marinheiro português, Manuel, tripulante de um navio de pesca. O navio tem longos meses de alto mar pela frente até regressar a terra, onde o rapaz poderá eventualmente reencontrar os pais, mas durante esse tempo Harvey é forçado a permanecer no navio. Inicialmente, tal como foi toda a sua vida, ele é mimado e respondão, vive convencido que todos são os seus criados e que pode fazer o que quer, e conhece pouco os factos da vida. Mas à medida que o tempo vai passando, as aventuras que vai tendo e a vivência a bordo do navio irão quebrar a sua mimalhice, e a sua relação com Manuel, que se torna o seu protector e pai adoptivo, vai evoluindo, até Harvey se tornar, finalmente, um homem.
Se o ‘heroi’ do filme, em teoria, é o miúdo, é mais que consensual que, como Manuel, Tracy rouba o show completamente. O seu sorriso jovial, a sua simpatia, a sua humildade, a sua alegria despreocupada, o seu conhecimento da escola da vida apesar de não ter educação (pobre mas feliz), a sua enorme paciência, o seu gigantesco coração, e a sua audácia e espírito de sacrifício quando é mais preciso, no clímax trágico do filme, tornam-no uma personagem cinematográfica memorável, um herói trágico cujos feitos não são tão cantados quanto deveriam. Manuel bem que poderá ser a maior homenagem que alguma vez foi feita ao marinheiro/pescador/descobridor português (algum filme português atingiu isto?), mas talvez seja mais difícil detectar estas suas características no português actual…
Excelentemente escrito e extraordinariamente interpretado, livre dos clichés do ‘português’ mas fiel à essência deste nosso grande povo, Manuel é uma icónica e imortal personagem cinematográfica, e o maior português que alguma vez existiu na ilusão da sétima arte estrangeira.
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http://portugal-mundo.blogspot.pt/search/label/Hollywood
Muito obrigado pelas suas sugestões! Então as do Jerry Lewis já me fizeram água na boca!
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