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Sayonara

Ano: 1957

Realizador: Joshua Logan

Actores principais: Marlon Brando, Ricardo Montalban, Patricia Owens

Duração: 147 min

Crítica: Leia o livro. Veja o filme. Esta velha máxima para vender mais os livros do que propriamente os filmes até me apraz, desde que leia o livro primeiro. Infelizmente, isso raramente acontece. Cheguei a muitos livros e a muitos autores precisamente porque vi os filmes quando era novo e pouco percebia de literatura. Por outro lado, agora quando leio um livro muito bom e depois se faz o filme, fico com medo de ficar desapontado, já que por definição os filmes são geralmente piores (o único filme que vi melhor que um livro que já li foi ‘The Big Fish’ de Tim Burton). Ao mesmo tempo, muito mais facilmente se recorda um filme (um pacote de duas horas), do que um livro (que pode demorar um mês a ser lido), pelo que muitas vezes prefiro não ver o filme para não me arruinar a experiência de ler o livro outra vez (acontece-me isso com filmes baseados em livros da Agatha Christie – vendo o filme, muito mais rapidamente se decora o assassino….). Uma das razões pelo que no início da década de 2000, com 17 anos, não fui ao cinema ver o ‘Senhor dos Anéis’ foi precisamente porque na altura ainda não tinha lido todos os livros da trilogia. Mas lá está, mais cedo ou mais tarde, e pela maior facilidade de ver o filme, uma pessoa acaba por capitular. Mas se conseguir ler o romance primeiro vou preferir sempre.

Num assunto não relacionado, há um punhado de filmes (bem, mais do que um punhado) que estão na minha lista ‘para ver um dia’, ou porque ganharam prémios, ou porque alguém me falou deles, ou porque li sobre eles em livros da especialidade, ou porque gostei do trailer, ou, ou… A lista, obviamente, é gigantesca (existe, literalmente, uma lista, num papel super-rabiscado), mas eu sou uma pessoa organizadinha. Mais cedo ou mais tarde, nem que sejam precisos dois ou três anos, chego lá. Pois bem, um desses filmes era precisamente ‘Sayonara’, dirigido em 1957 por Joshua Logan, com Marlon Brando no papel principal e baseado num romance escrito por James A. Michener. Não fazia ideia qual era a história, mas estava na minha lista pois havia arrecadado 4 Prémios da Academia; Melhor Actor Secundário (Red Buttons), Melhor Actriz Secundária (Miyoshi Umeki), Melhor Direcção Artística e Melhor Som, tendo o tido mais 6 nomeações, incluindo filme, realizador e actor principal.

Recentemente, a vasculhar pelos velhos livros do meu avô, encontrei uma edição antiga do livro ‘Sayonara’. Imediatamente, me apercebi que podia juntar aquilo que descrevi nos dois parágrafos anteriores, ou seja, se era para ver ‘Sayonara’, o filme, então o melhor modo seria vê-lo logo após ter lido o livro. E foi isso precisamente o que fiz. O mês passado li o livro. No último fim-de-semana vi o filme.

Lançado em 1957, o filme apenas durou 3 anos a chegar ao mundo depois do livro ter gerado grande controvérsia. Hoje em dia, é curioso pensar o que se faria com um livro destes. Certamente, pertenceria ao book club da Oprah, e o filme seria feito com tanto enfoque no seu tema social, com tanta choradeira das suas super-estrelas (que consumiram os papéis principais), que rapidamente arrecadaria centenas de prémios, ao estilo ’12 Years a Slave’, e seria aclamado como uma obra-prima, qualquer que fosse a sua intrínseca qualidade cinematográfica. Mas agora o leitor pode dizer-me que este filme também tem super-estrelas (Brando no pico da sua popularidade nos anos 1950), também ganhou prémios, também teve sucesso, e também foi aclamado pelo seu tema social. Pois é verdade, mas neste caso, quer o livro, quer o filme, estavam a pisar território ousado e tabu, e fazê-lo não era uma garantia imediata de sucesso, mas um risco. Do mesmo modo, os filmes de conflitos sociais brancos/negros na América feitos nos anos 1960, têm muito mais poder, pois eram muito mais arriscados e mais honestos, do que ‘The Help’ ou ’12 Years a Slave’, feitos confortavelmente à distância e com uma mensagem cliché, quase de auto-homenagem e de auto-promoção, mas que ninguém pode criticar (“ou ganha Óscar de Melhor Filme, ou somos todos racistas”). O filme não precisa de ser contemporâneo da descriminação para ter poder (‘Mississippi Burning’ ou ‘Do the Right Thing’ são excelentes filmes sobre o racismo), mas tem que se manter fiel à sua história, sem tentar forçar uma moral nem exercer chantagem emocional sobre o público. 

Por isso mesmo, comparado com outros filmes de temas sociais racistas ou xenófobos de hoje em dia, ‘Sayonara’ é muito bom, pois é subtil, e as personagens estão sempre acima da moral universal. A moral de ‘Sayonara’ é honesta, verdadeira e poderosa, sempre oferecida através das personagens e nunca pelo ‘contexto’, e isso dá dimensão e significado ao filme. Contudo, infelizmente, olhando para o filme em si, é uma pena constatar que não só não envelheceu bem, como a adaptação do romance não é a mais bem conseguida, como tem um ritmo muito frouxo, uma construção cinematográfica demasiado lenta e desequilibrada, que aos poucos, após um início forte, vai fazendo com que o espectador perca interesse no filme.

Dez anos após a Segunda Guerra Mundial, os soldados americanos ainda estavam no Japão, para facilitar “a transição”, mas também porque usavam o país como base para a Guerra da Coreia, então a decorrer. Michener, o autor do livro, era um soldado americano que em licença no Japão apaixonou-se e casou com uma japonesa, tal como fizeram muitos soldados americanos no pós-guerra. Vítima de descriminação por parte dos seus superiores e de outros soldados, ostracizado e impedido de regressar a América com a sua mulher, o livro é uma espécie de autobiografia, denunciado esta problemática.

E o filme, nos primeiros dois terços, segue bem de perto a estrutura do livro, inteligentemente (na maior parte das vezes) reproduzindo as suas cenas. Brando interpreta o papel de Lloyd Gruver, um famoso soldado pois já abateu 7 MIGs coreanos (por qualquer motivo no filme são 9). Lloyd é filho de um famoso general e desde cedo foi talhado para uma vida na Força Aérea. Está também noivo da filha de outro general, chefe de operações no Japão, Eileen (uma convincente Patricia Owens). Regressado de mais uma missão na Coreia, é informado que lhe foi dada uma licença de férias no Japão, e ele rapidamente percebe que o seu futuro sogro puxou dos galões para o tirar do perigo e levar para o Japão, onde todos esperam que finalmente case com Eileen, noiva de longa data. Este ‘favorzinho’ e esta pressão não o deixam particularmente contente.

No mesmo avião viaja também um humilde soldado, Joe Kelly (fantástica performance de Red Buttons, incrível que este é apenas o seu primeiro filme), que está decidido a casar com uma japonesa, Katsumi (Miyoshi Umeki). Não necessariamente contra, Lloyd junta-se ao coro de outras vozes que tentam dissuadir Kelly. Mas ele, sincero com as suas emoções, não cede a pressões. E depois o filme, tal como o livro, mostra-nos o penoso processo burocrático, as pressões emocionais e sociais, que os soldados americanos, neste caso particular Kelly e outro, Bailey (interpretado por um jovem James Garner), sofrem por terem abertamente relações com japonesas.

Mais tarde, acontece o inevitável. O próprio Lloyd, quando o seu romance com Eileen vai por água abaixo (sempre foram empurrados um para o outro, e ambos são sinceros que se amam, mas falta uma chama), orbita para o mundo de Kelly e Bailey. E aí começa a apaixonar-se, lentamente, não só pela cultura japonesa, pela arte teatral, pela simplicidade da vida, pela beleza dos maneirismos e das tradições, mas também por uma japonesa, a divina (pelo menos no livro) Hana-ogi (interpretada por Miiko Taka). Ogi é a estrela de um teatro estilo Takarazuka, treinada desde criança para tal, e é uma espécie de deusa para os japoneses, pelo seu talento e pela sua beleza. Mas no fundo, é também uma prisioneira das convenções, e da vida que outros escolheram por ela, tal como Lloyd. Quando a sua relação se desenvolve em algo mais, Lloyd vai ser vitima do mesmo tipo de pressões, do mesmo tipo de descriminação, e a tensão vai-se acumulando, quando as directivas dos generais se tornam cada vez mais estritas e a ostracização cada vez mais intensa. Quando chega a ordem de que Kelly irá ser mandado para os Estados Unidos, mas a sua esposa, Katsumi, não pode ir, e a sua pequena casa é destruída pela polícia militar, o filme chega ao seu clímax trágico e os dois casais, Kelly e Katsumi, e Lloyd e Hana-Ogi, terão que fazer sérias escolhas de vida.

A alma do livro está quase toda no filme, mas a chama do livro ficou-se pelas páginas e não passou para a tela. O próprio livro também tem os seus senãos, principalmente a partir de meio, quando fica demasiado embrenhando na descrição da cultura japonesa e da difícil vida de Lloyd com Ogi, e só lentamente vai inserindo novos elementos de tensão dramática. O filme peca quase pelas mesmas razões, mas tem mais problemas. O livro tem uma grande vantagem, é narrado na primeira pessoa pelo próprio Lloyd. Portanto, em qualquer altura, sabemos as suas emoções e as suas dúvidas. O motivo pelo qual o seu romance com Eileen esfria, por exemplo, é perfeitamente entendidos pelos leitores, mas aparece de forma demasiado abrupta, desajeitada e pouco justificada no filme. Não ajuda, de todo, a inexplicável maneira como Brando decidiu interpretar Kelly (no imdb diz que o realizador foi contra esta escolha). O dínamo que vinha de fazer ‘Streetcar Named Desire’ (1951), ‘Viva Zapata’ (1952), ‘On the Waterfront’ (1954), ‘Guys and Dolls’ (1955) e que por acaso tinha feito de japonês (!!!) no ano anterior em ‘The Teahouse of the August Moon’ (1956), está demasiado insosso em ‘Sayonara’. Adiciona ao seu clássico arrastar e balbuciar de palavras um artificial sotaque sulista. Algumas vezes, chega a parecer estar a gozar. Noutras, parece um autêntico mentecapto. Sim, toda a energia da sua forma de actuar e de reproduzir emoções está presente, mas em slow motion. É um grande turn off este sotaque patético e a forma despreocupada como interpreta Lloyd.

Se Buttons e Umeki estão exatamente como havia imaginado no livro (Buttons merece totalmente o seu Óscar, Umeki nem tanto, visto que não tem muitas cenas para brilhar), quer o Lloyd de Brando, quer a Hana-Ogi de Taka estão bem longe daquilo que eu tinha concebido na imaginação. Quando Ogi aparece, não tem força suficiente para deixar toda a gente de boca aberta, como deveria ser. Diz-se que o papel foi oferecido a Audrey Hepburn mas ela recusou, dizendo que seria ridículo fazer de japonesa. Mas acredito que aí todo o mundo pararia para a ver passar, todos os dias, pela bela ponte no jardim japonês, como ocorre no filme. Já Miiko Taka não consegue ter esse carisma, nem quando surge, nem quando dança, nem ao longo de todo o filme. Mais, a escolha ridícula de ela saber falar inglês (no livro, ambos aprendem lentamente a comunicar um com o outro, e até lá usam as emoções), dá azo a cena após cena carregada de diálogos cliché. Outra personagem inventada é a de Ricardo Montalban (um actor mexicano a fazer de japonês?!), que apenas existe para dar a Eileen alguém com quem verbalizar as suas emoções e também, quando desperta uma chama romântica entre eles, fazer a personagem dela mais ‘simpática’ e menos interesseira (no livro quando o romance com Lloyd esfria ela começa a andar com outros soldados).

Mas estas adições não são muito graves e algumas são até justificadas pelas necessidades da linguagem cinematografia. Grave é terem atenuado a grande tragédia do livro e, não satisfeitos, seguirem-na com uma alteração completa do final. Se o final do livro é azedo e rancoroso, uma seta critica apontada ao sistema, o final do filme é muito mais esperançoso, muito mais Hollywoodesco. Ou seja, criticou-se bastante as práticas xenófobas, mas no fim há espaço para fazer as pazes com o sistema, todos de redimirem e, contra tudo e contra todos, o amor triunfar. É tão forte como o final do livro? Não. Serve como bom final para o filme? Por muito que custe admitir, é provável que sim. Afinal, este filme, apesar da sua ousadia, saiu da fábrica de Hollywood. E, não sendo rancoroso, faz a ponte, de uma forma mais simpática, para o apelo pela tolerância. 

Conhece-se o realizador Joshua Logan de filmes mais leves. Por esta altura, vinha de uma série de êxitos cómico-dramáticos como ‘Mr. Roberts’ e ‘Picnic’ (ambos 1955), bem como ‘Bus Stop’ (1956) com Marylin Monroe. Posteriormente iria voltar-se para os musicais como ‘South Pacific’ (1958) e ‘Camelot’ (1967). Por isso mesmo creio que Logan terá baixado o ritmo de ‘Sayonara’ propositadamente, para se adequar à natureza dramática do filme, um género que não dominava. Mas creio também que esta estratégia não foi muito bem sucedida. Contínuas vezes as cenas têm muita maior duração daquela que deveriam ter. As belas filmagens dos jardins japoneses são fabulosas quando inseridas no genérico inicial, mas quebram a tensão em pontos estratégicos da trama quando surgem mais tarde. Sim, eu sei que no livro Lloyd se queixa que os espectáculos japoneses podem durar 4 horas, mas não era preciso que o realizador transmitisse isso ao espectador, em cenas longas e repetitivas. Pus-me a pensar se o sucesso de ‘King and I’, no ano anterior, e das suas sequências musicais orientais, não terá originado esta necessidade de encher ‘Sayonara’ com elas….

E sim, eu sei que o próprio livro anda um pouco em espiral, em termos de emoções, antes de iniciar o seu terceiro acto. Mas não havia necessidade nenhuma de o filme reproduzir essa espiral, e só lhe teria feito bem ter cenas mais contidas mas mais eficazes. Com quase duas horas e meia, meia hora, ou quarenta e cinco minutos a menos não tirariam nada às personagens, à história ou à moral. O filme chega a ser chato, chega a ter períodos onde literalmente não se passa nada. E isso é a morte do artista.

Num período em que o cinema americano se começou a voltar seriamente para questões sociais, (a pena de morte em ‘I Want To Live’, 1958, a delinquência juvenil em ‘Blackboard Jungle’, 1955), ‘Sayonara’ é mais um filme ousado e de quebra-convenções, que retrata os eventos com realismo e sem (muitos) embelezamento, sem nunca tentar, a não ser só mesmo no final, ser comercial. Contudo, nunca poderá substituir o livro, nem em poder, nem em dramatismo, para além de ter escolhas cinematografias duvidosas. Estamos a falar de um filme onde as personagens secundárias são muito mais fortes que as principais. Estamos a falar de um filme em que, por muito que se esforce por não o ter, o cliché arranja sempre maneira de se aninhar numa cena. Estamos a falar de um filme de belas composições visuais, mas que ficam mancas e ocas, ou porque o seu encadeamento, o seu ritmo de montagem, não é o melhor, ou porque as emoções, ou o poder das cenas ou das actuações, não lhes faz jus. E por fim estamos a falar de um filme que dá mais importância ao final feliz do que aos eventos trágico que o antecederam, parecendo até esquecer-se que esses eventos existiram, o que deixa um sabor amargo a quem conhece o final do livro. Brando parece sedado a maior parte do filme. O filme, igualmente, parece que levou uma enorme injecção de tranquilizante. 

Vou manter o livro, mas não o filme, por perto. Nem sei se gostaria do filme, se não tivesse lido o livro. Desconfio seriamente que não. A recordar me do filme, só se for da performance incrível de Red Buttons como Joe Kelly, ou da memória imaginária do que seria Audrey Hepburn, caracterizada de japonesa, a passar, todos os dias, por aquela bela ponte paradisíaca. Isso sim deixaria o meu coração a bater mais depressa e perceberia porque Lloyd deixou tudo para trás, só para ficar com ela…

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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