Realizador: Bryan Singer
Actores principais: Patrick Stewart, Ian McKellen, Hugh Jackman
Duração: 131 min
Crítica: Honestamente, estou a ficar um pouco cansado da infinidade de filmes de super-heróis da era cinematográfica pós ano 2000. Agora, são um género de direito próprio, mas o número de heróis de banda desenhada não aumenta. Por isso, nunca se viram tantas sequelas no cinema como nos dias que correm. No caso dos X-Men, já vamos no sétimo filme em 14 anos, o que é extraordinário. Mais extraordinário é o facto de Hugh Jackman ter entrado neles todos. Seria de esperar que o actor ficasse enfadado de interpretar continuamente o mesmo papel. Mas isto é um negócio, e no caso de Jackman uma profissão, por isso quanto mais dinheiro entrar melhor.
Aliás este novo X-Men, intitulado ‘Days of Future Past’ (em português ‘Dias de um Futuro Esquecido’) já fez uma enormidade de dinheiro, mais do que todas as anteriores entradas da saga, o que é mais do que suficiente para garantir ‘X-Men: Apocalypse’, daqui a dois anos. E o público coaduna perfeitamente com isto. É território familiar, cheio de efeitos especiais, que entretêm e não obriga a grandes esforços mentais. Não é arte, mas é entretenimento do bom. Mas até o bom entretenimento tem o seu limite, e com este filme, a saga dos X-Men atingiu completamente o seu limite. O leitor vai achar estranho, mas este filme fez-me lembrar ‘Shrek Forever After’ (2010). Chegado a este quarto filme, a saga de Shrek já não tinha absolutamente nada de novo para dar, e a aventura tem contornos de desenho animado de sábado de manhã. É completamente superficial, rápida e extremamente movimentada. Só funciona porque as pessoas já conhecem as personagens de antemão. Sozinho nunca se susteria. Assim é como rever um episódio menor de uma série que já aprendemos a gostar noutro lado qualquer, e vêmo-la pelas personagens, não pela aventura, cientes que na semana seguinte teremos um episódio melhor. O mesmo se passa aqui. ‘X-Men: Days of Future Past’ é uma aventura fraca em termos de história, nem sequer tem grande acção (apesar de ter mais uma vez efeitos visuais topo de gama), mas é uma oportunidade para o público rever personagens fortes e que já nos fascinaram noutros filmes, como Wolverine, Magneto, Professor X ou Mystique. Para além do mais, a prequela é também um género fácil e preguiçoso, pois parte do princípio que o espectador já conhece o futuro, e portanto o filme apenas se digna a fazer as pontes.
A trilogia original dos X-Men até é bastante interessante; filmes que não são épicos como ‘The Avengers’ ou ‘Transformers’, mas que optam por uma acção mais ao estilo familiar, focado nas personagens e menos nos efeitos, e com histórias relativamente credíveis (considerando o universo, claro está), nas quais o Mundo não precisa de estar sempre a ruir para poderem ter interesse. Se os primeiros dois, realizados por Bryan Singer, são mais focados na banda desenhada (que não conheço), o terceiro, realizado por Brett Ratner, tem mais acção e é mais divertido; para mim o filme mais completo da saga (embora possa não ser o mais fiel à BD, segundo me dizem). Depois ‘Wolverine’ (2009) foi uma ideia péssima, mal executada, que matou os restantes filmes das origens que estavam planeados. Em vez disso, optou-se pela prequela ‘First Class’ (2011), que até resultou bastante bem como filme de super-heróis, embora fosse misturado com uma realidade demasiado real (passe a redundância) para ser apelativo para mim. Eu sei que isso também ocorre na BD, mas para mim deturpar a História e encaixar os X-Men nos buracos tira um pouco da mística às personagens. Mesmo assim, provou que um filme dos X-Men podia sobreviver sem Wolverine. Mas isso, aparentemente, não estava no interesse de ninguém. Suponho que Wolverine seja o fio condutor da saga para o público, mas tudo o que é demais é exagero. Em ‘X-Men: Days of Future Past’, por exemplo, a sua personagem, apesar de central, é completamente dispensável. Aliás, embora esteja em quase todas as cenas, praticamente não tem importância em nenhuma, e nunca faz coisas “à Wolverine” que nos deliciaram noutros filmes. Está ali apenas porque tem de estar.
Outra coisa que ‘First Class’ fez foi substituir a velha guarda por actores mais jovens e da moda (Michael Fassbender em vez de Ian McKellen no papel de Magneto, ou Jennifer Lawrence em vez de Rebecca Romijn-Stamos como Mystique, por exemplo), garantindo assim apelo e continuidade. E essa ideia de pensar passa para este novo filme. "O presente esgotou-se. Vamos então ao passado, reciclamos os actores e voilá". Pelo caminho, a saga de X-Men provou outra coisa. Em 2009 ‘Wolverine’ foi um fiasco critico e até de certa forma de bilheteira. Em 2013 ‘The Wolverine’ pôde ser feito sem preocupações, pois a memoria do público é curta. Eu não fui ver este novo filme de Wolverine porque detestei o primeiro e não acreditava como era possível acrescentaram um ‘the’ no título e acharem que podiam levar a sua avante. Mas estamos numa época em que sim, se pode levar isso avante. É o mesmo motivo pelo qual, antes de ‘Amazing Spider Man 2’ ter estreado há um mês, e antes de se saber se iria ser um sucesso ou não, já os filmes 3 e 4 para 2016 e 2018 tinham tido luz verde do estúdio. Neste momento é só dar a oferta, que a procura se auto-gera. E infelizmente isso anda a destruir a pouca originalidade que o cinema moderno americano das massas ainda tinha.
Quando li a sinopse e vi o primeiro trailer de ‘X-Men: Days of Future Past’ há uns seis meses, comecei a rir. Aparentemente, não contentes com tudo o que já tinham feito, agora iam levar a coisa bem mais longe, usando viagens no tempo (sim, viagens no tempo!), para assim juntar o melhor que tinham dos filmes originais dos X-Men (Ana Paquin, Ellen Page, Halle Berry, Kelsey Grammar), com o melhor da prequela (Lawrence, Fassbender, James McAvoy). Aparentemente, ia estar tudo junto num épico mega-mix. Mas um amigo meu, grande especialista em BD, travou-me o riso dizendo que esta era uma das linhas argumentais mais famosas e mais bem amadas pelos fãs da BD. Ok, então iria esperar para ver. Para além do mais, o realizador ia ser Bryan Singer de novo. Há 12 anos, após o segundo filme, Singer saiu da saga chateado. Talvez o facto do seu último filme ter sido ‘Jack the Giant Slayer’ (2013), tenha alguma coisa a ver com finalmente ter aceitado regressar. Singer pode estar meio perdido (e agora as acusações de pedofilia também não ajudam), mas é o homem que tem ‘Usual Suspects’ (1995) no currículo, portanto talento algures tem. Infelizmente, o momento mais espectacular de ‘X-Men: Days of Future Past’ é precisamente esse instante antes do filme começar em que vemos o logótipo da produtora Bad Hat Harry Productions – a silhueta da famosa cena da linha de identificação de ‘Usual Suspects’ com leves acordes da música desse filme. ‘X-Men: Days of Future Past’ é daqueles filmes que é impossível um realizador dar um cunho pessoal. A sua estrutura é tão estereotipada e a sua dependência do argumento escrito e dos efeitos especiais tão clara que o produto seria o mesmo qualquer que fosse o realizador.
É por isso mesmo que o filme abre com uma voz off do Professor X que nos explica a papa toda (detesto isso), em vez de a apreendermos pelas primeiras imagens e pelas primeiras cenas. Estamos no futuro e uns robôs avançadíssimos chamados Sentinelas dominam o planeta, chacinando tudo o que é mutante e tudo o que é humano normal que um dia virá a ter descendência mutante. Esta segunda funcionalidade da máquina foi um bug imprevisto pelos seus criadores, portanto assistimos a um planeta Terra dividido por uma guerra apocalíptica, estilo ‘T2’. Neste ponto, a saga X-Men atinge um nível de entretenimento visual Marvelesco ou Transformeresco, que anteriormente não tinha, com épicas e futuristas cenas de acção. E neste contexto encontramos os nossos velhos conhecidos X-Men, ou o que resta deles, a lutarem para sobreviver. Mas primeiro, tirando um ou outro X-Men com poderes cool (e que morrem mais cedo ou mais tarde), todos os restantes que sobrevivem são curiosamente os correspondentes aos actores mais famosos. Segundo, não sei daqui a quantos anos é que isto se passa no futuro (nunca o dizem), mas a verdade é que Ellen Page e os restantes pouco envelheceram. Passaram 2 anos talvez? Não sei…
Encurralados praticamente à espera da morte e sem hipóteses de vencer estas máquinas que absorvem instantaneamente o poder de qualquer X-Men e contra-atacam na mesma moeda, o Professor X e Magneto têm um último plano. Kitty (Ellen Page) tem o dom de mandar alguém para o passado. Ela usa-o agora, mandando os companheiros alguns dias para trás no tempo, de forma a antever o ataque dos Sentinelas. Mas o objectivo é mandar alguém para os anos 1970, onde tudo começou, quando um cientista que odeia mutantes, o dr. Trask (interpretado por Peter Dinklage, o anão da Guerra dos Tronos) desenvolveu o plano dos Sentinela. O seu plano não foi aprovado inicialmente, mas como depois Mystique o assassinou, isso fez com que os Mutantes parecessem perigosos e o plano fosse aprovado (?!). A ideia é travar Mystique de cometer esse assassinato.
Mais uma vez tenho coisas a dizer. Primeiro em ‘X-Men: The Last Stand’ o poder de Kitty era atravessar paredes, não enviar pessoas para o passado. A escolha de precisamente a personagem de Ellen Page para este papel parece óbvia. Segundo todo o jargão cientifico destas cenas iniciais é colado a cuspo. Basicamente são desculpas pouco credíveis para despoletar a história. Terceiro, a desculpa para ser Wolverine a ir para o passado é ainda mais patética. A verdade é que não há uma viagem ao passado propriamente dita. Só a mente viaja, e vai ter ao corpo passado. Portanto, aparentemente, só a mente de Wolverine, com o seu poder de auto-regeneração, é suficientemente forte para suster esse choque de décadas. E isto, subtilmente (ou não), resolve outro potencial problema: o de haverem dois Wolverines no passado (algo que eu me perguntava porque não tinha aparecido no trailer). E dá igualmente a possibilidade de uma tensãozinha, pois enquanto Wolverine está deitado numa cama, a sua mente viajando pelo passado, com Ellen Page a pôr uma mão de cada lado da sua cabeça, não se podem mover nem procurar outro esconderijo, o que não é nada bom pois os Sentinelas apertam o cerco. O que me leva a um quinto ponto. O filme parte do princípio que o tempo passado e presente se desenrolam ao mesmo ritmo. Ou seja, quanto mais tempo Wolverine tem no presente, mais ganha no passado, e isso não faz sentido.
Assim, como quem não quer a coisa, ‘X-Men: Days of Future Past’ enganou bem o seu publico. Colocou os actores todos da saga no mesmo filme, mas sem que se cruzem como haviam insinuado. A épica batalha anunciada desenrola-se durante míseros minutos no futuro, e a partir do momento que Wolverine vai até aos anos 1970 o filme prossegue com a linha menos fantasiosa de ‘First Class’, mas sinceramente com muito menos dinâmica e interesse. Basicamente, lá vai Wolverine convencer um bêbado e perdido Professor X (então sem o seu poder de telepatia, porque está a tomar um soro que lhe tira os poderes) de quem é e o que pretende. Lá vai Wolverine recrutar Quicksilver (que também entrará no próximo filme dos Vingadores) para resgatarem Magneto da prisão de máxima segurança. E lá vão todos à procura de Mystique. Ao mesmo tempo vai-se desenrolando uma trama semi-histórica (Magneto esteve implicado no assassinato de JFK), que envolve o presidente Richard Nixon, a personagem de Trask (já agora, um anagrama de Stark, o pai de Iron Man), um jovem Striker (ver trilogia original de X-Men) e outros mauzões que não vêm os Mutantes com bons olhos, na velha lenga-lenga do costume.
E no centro está Mystique, trabalhando a solo com a sua própria agenda de vingança. Obviamente, o filme dá imensa importância a Jennifer Lawrence. Verdade que é Mystique que na BD vai assassinar Trask, mas há aqui algumas incongruências, com o intuito de promover Lawrence e identificá-la como a única Mystique. Se o espectador se recorda, Rebecca Romijn-Stamos teve um papel relevante nos primeiros X-Men, mas neste filme parece que essa Mystique nunca existiu. Contudo, o filme consegue ser bem sucedido a escapar a algumas destas incongruências, pois justifica isso com mudanças na linha temporal causadas pela alteração dos eventos passados. Mas a máxima que passa é: Desculpa, Rebecca Romijn-Stamos, a Jennifer Lawrence agora é mais famosa (embora muito menos sexy em termos de corpo nu maquilhado de azul…).
Se algumas sequências são até bastante apelativas (por exemplo o assalto à prisão onde está Magneto, principalmente a cena em que QuickSilver dá o ar da sua graça), o resto do filme é extremamente frouxo. O que vai acontecendo é que por mais que tentem alterar o passado, o curso do destino arranja uma maneira de voltar sempre a engatar nos eixos. Impedem o assassinato inicial de Trask, mas Mystique continua atrás dele. Por outro lado, a presença dos X-Men, captada pelos média, chama a atenção para eles, e o programa Sentinela fica em vias de mais uma vez ser aprovado. Magneto, livre da prisão, também decide ir a solo atrás de Trask, Nixon e Mystique. E Wolverine? Como disse, anda para lá meio perdido atrás desta gente, mais como observador, e nem sequer consegue ser relevante no showdown. E o Professor X? Está em auto-descoberta, e James McAvoy continua com o seu tique horrível e irritante (que eu já tinha topado em ‘First Class’) de espetar dois dedos na testa cada vez que quer usar o seu poder telepático… Tudo converge para um assalto final à Casa Branca, de pouca epicidade visual e dramática, onde haverá um momento chave que definirá o futuro. Como um bom filme acéfalo, temos cortes contínuos para o presente, onde os Sentinelas estão quase, quase a chegar a sala onde Wolverine e Kitty estão, e temos sacrifícios heróicos e frases clássicas como "temos de lhe dar mais tempo… ele vai conseguir…"
‘X-Men: Days of Future Past’ tem boas actuações (Dinklage, Fassbender, Lawrence), tem uma boa banda sonora (o regresso de John Ottman à saga) e tem algumas sequências com piada. Mais importante que tudo, e que lhe dá todo o valor, ‘X-Men: Days of Future Past’ tem as personagens de X-Men (esta não havia que enganar). Mas falta-lhe tudo o resto. O filme pega numa BD já escrita e já enraizada nos fãs, pega nos actores que o público conhece, introduz uma ou outra piada de época, insere efeitos visuais, mistura tudo e cospe duas horas. Mas isso já não é suficiente. X-Men já enjoa. O filme não tem originalidade nem valor próprio, é preguiçoso e apoia-se na sua popularidade e numa suposta ‘realidade histórica’. Eu posso pegar em qualquer evento histórico, desde a construção das pirâmides até ao recente desaparecimento do avião da Malaysian Airlines e meter X-Men ao barulho, mas isso não torna imediatamente o meu filme espectacular! Nunca foi o conceito da historia só por si que fez um filme, nem os actores, nem o que se fez em filmes anteriores. Nem será agora que isso vai acontecer. Confesso que ‘X-Men: Days of Future Past’ entretêm sem ser maçador, as suas duas horas passam relativamente bem, mas já foi tudo visto, e melhor. As cenas e acção são poucas e depois da trama se transladar para a década de 1970 quase inexistentes. No clímax, Beast, Professor X e até o próprio Wolverine são postos fora de combate, e apenas restam Magneto e Mystique (ah e os dois dedos que o Professor X espeta na testa!). Um pouco longe daquilo que foi prometido no trailer, o épico mix de X-Men do passado e do presente. Os filmes de X-Men são cada vez menos filmes de super-heróis e cada vez mais filmes histórico-políticos com vertentes fantasiosas e a lenga-lenga dengosa 'humanos vs. mutantes' à mistura. E isso, sinceramente, já não me sacia o gosto. Não é preciso que tudo seja ‘The Avengers’, e X-Men sempre optou por ser mais contido em termos de acção e luta, dando valores mais, digamos, familiares. Mas há limites.
Contudo, quem sou eu para falar? Veja-se a extraordinária classificação que o filme tem no imdb: 8.5 (o 82° filme mais bem cotado de todo o site). Vejam-se os rendimentos: este é o filme mais bem sucedido na bilheteira de toda a saga, e apenas vai em duas semanas de exibição! Aparentemente o filme fez o gosto dos fãs. Ou pelo menos a publicidade foi tão boa que o público foi comprando o seu bilhete (como eu). Se calhar havia qualquer coisa nele que eu não notei. Se calhar é por não conhecer a banda desenhada. Se calhar os fãs gostaram do filme apenas porque gostam da linha argumental da BD (a tal muito bem amada), e nem se aperceberam que o filme estava mal feito, por já conhecerem a história. Se calhar… Ou então o motivo é bem mais simples. De acordo com a revista Variety, três em quatro pessoas que entrevistaram foram ver o filme por causa de Jennifer Lawrence. E não me admirava nada que isso fosse verdade. Na realidade, isso explica muita coisa... E até já se fala de um spin-off, de um filme só com Mystique, à semelhança dos que se fizeram com Wolverine. Desculpa, Hugh Jackman, a Jennifer Lawrence agora é mais famosa...
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