Ano: 2013
Realizador: Gore Verbinski
Actores principais: Johnny Depp, Armie Hammer, William
Fichtner
Duração: 149 min
Crítica: O maior elogio que posso dar ao novo filme de Gore Verbinski, ‘The Lone
Ranger’ (em português ‘O Mascarilha’), é que durante as sequências de acção
climáticas que constituem o terceiro acto do filme, após muitas voltas e
reviravoltas do argumento, de repente começaram-me a vir à memória os momentos
da minha infância em que no sofá, frente ao televisor, via a clássica série de
televisão em que o filme é baseado. Só por esta injecção de nostalgia, em que a
música clássica ‘William Tell Overture’ de Gioachino Rossini (o tema da série)
se mistura com a banda sonora de Hans Zimmer, e o Lone Ranger cavalga Silver em
cima de um comboio, o filme valeu a pena para mim. Felizmente, embora este não
seja o filme com as ideias mais originais, nem com as melhores cenas de acção,
tem contudo os ingredientes todos para entreter, e oferecer um espectáculo
visual muito interessante. Esta não é, no entanto, a ideia que a comunidade
crítica cinematográfica está a fazer passar, algo que me surpreende bastante.
Quero deixar claro que, apesar do fiasco crítico e comercial de ‘The Lone
Ranger’, na minha opinião este é, sem dúvida, o melhor blockbuster de
acção/comédia que vi este ano.
Todos os Verões, sem falta, desde 2003 (ano em que o primeiro Piratas das
Caraíbas foi lançado) a Walt Disney Pictures alia-se ao produtor Jerry
Bruckheimer para criar um blockbuster simpático de entretenimento familiar, com
o objectivo de arrecadar umas grandes centenas de milhares de dólares na
bilheteira. De ‘National Treasure’ a ‘Prince of Persia’ às múltiplas sequelas
dos Piratas, Bruckheimer tem dado muito dinheiro a ganhar à Disney, ao mesmo
tempo que cria um cinema sem pretensões artísticas ou de elevada técnica
cinematográfica, mas de acção explosiva e um pouco de comédia à mistura, que
cai (quase) sempre bem numa ida ao cinema descontraída. Neste género de filmes,
Bruckheimer é sem dúvida o produtor mais bem sucedido da história do cinema,
mas está melhor quando os realizadores com quem trabalha são especialistas no
engodo visual. Digo engodo porque neste caso as imagens deverão ser
suficientemente cativantes para o espectador se esquecer de que não existe uma
história, ou actuações suficientemente boas por detrás. Gore Verbinski já nos provou com os Piratas e
mais recentemente com ‘Rango’ que possui essa arte de ilusão, e até, um pouco
mais.
‘Lone Ranger’ reagrupa então a equipa de Piratas das Caraíbas, nomeadamente
o actor Johnny Depp, o realizador Gore Verbinski, a música de Hans Zimmer e até
os argumentistas Ted Elliot e Terry Rossio. Supostamente, os ingredientes
correctos para um pacote saboroso. Então porquê este sabor amargo deixado nos
críticos e nas bilheteiras. Sinceramente, acho isso inacreditável, mas não
inexplicável. Não me lembro o suficiente da série original para saber se este
filme é uma adaptação fiel ou não, mas creio que não será por aí. Provavelmente
não é assim tão fiel, mas isso não impede de que o filme seja um bom pedaço de
entretenimento. Tal como esta equipa tem contestado veementemente nos últimos
tempos em aparições públicas e entrevistas, o estado da crítica a nível mundial
(e Portugal não é excepção) cria ideias pré-concebidas sobre os filmes mesmo
antes de estes estrearem. Antes de sequer sair nas salas, ‘The Lone Ranger’ já
era um fiasco. Os críticos ou não gostaram de que o filme se baseasse numa
série kitsch antiga, ou não gostaram da enormidade de dinheiro gasto na
produção (250 milhões de dólares, um valor que hoje em dia começa a ser vulgar
neste tipo de filmes) ou então não gostaram de ver Johnny Depp com cara pintada
a fazer de índio. Qualquer que seja o motivo, o filme foi dilacerado, e o
público (como já discuti numa crónica há alguns meses) geralmente é apanhado no
efeito bola de neve e começa a repetir que o filme é mau porque não o vê com
outra predisposição nem com mente aberta.
Mas eu pergunto: o filme é baseado numa série com 50 anos, e depois? Também
ninguém julga o Batman de Nolan com base nos critérios da série do Batman dos
anos 1960. Isso seria o descalabro! O filme custou muito dinheiro? Está bem,
mas se for bom até podia ter gasto o triplo. A arte não tem preço. É só um escândalo
quando se gasta milhares de dólares e o produto final não tem valor nenhum. Não
se vê a cara do Johnny Depp o filme todo? É uma pena e estou certo que o
público feminino não vai gostar, mas não é motivo para trucidar um filme. E
qualquer outra razão irrealista e não justificada para deitar este filme abaixo
é pura parvoíce. A crítica, toda a crítica, tem que ser substanciada. E com
isto não quero estar a dizer que este filme é uma obra prima. Não é. De todo. É
um blockbuster de Verão que se vê bem, nada mais. Um ‘Piratas das Caraíbas’
passado no Oeste com pitadas da ‘Mascara de Zorro’, com menos piadas mas com o
dom de criar reminiscências no espectador mais velho. O que me enerva é um
filme destes ser assim destruído sem o público ter oportunidade de o conhecer
(porque hoje os filmes novos duram pouco mais de 3 semanas nas salas), enquanto
filmes claramente menores são promovidos à força bruta e têm um sucesso
inusitado na bilheteira. É tudo marketing. É tudo negócio. É tudo modas. Mas o
cinema que é cinema sobreviverá, pelo menos nestas páginas.
Enfim. Criticando honestamente ‘The Lone Ranger’.
‘The Lone Ranger’ é um filme que parte da premissa da antiga série de TV em
que um justiceiro mascarado, montado em Silver, um esperto cavalo branco,
auxiliado pelo seu sidekick índio,
Tonto, lutam contra os vilões e as injustiças na velha fronteira Americana, ou
seja, no velho Oeste. Mas este filme é menos sobre as suas aventuras juntos,
que encheram episódios atrás de episódios há 60 anos, e mais sobre as suas
origens. É uma caminhada de descoberta de personagens, rica em flashbacks,
encontros e desencontros, leves dilemas morais, e pontilhada de rasgos de comédia, ideal
para encher um terço do filme mas sem ser muito profunda para não obrigar
ninguém a pensar, que depois culmina num terceiro acto rico em acção e
espectacularidade. Em todo este percurso Verbinski filma os gloriosos espaços
abertos do Monument Valley, e há uma sensação de frescura, de liberdade, de
pureza natural associada a todo o filme.
Ao mesmo tempo, o filme não faz as melhores escolhas. Justifica a sua
natureza fantasiosa logo à cabeça. Toda a história é contada em flashback por
um idoso Johnny Depp a um miúdo numa feira popular durante a grande depressão
americana dos anos 1930. Obviamente Depp é hilariante, mas a sua interpretação
de Tonto não é muito diferente da de Jack Sparrow. Simplesmente tem a cara
pintada e uma ave morta na cabeça (que constantemente tenta alimentar!). Mas
existe no mesmo plano surreal de voz arrastada e andar desengonçado. Esta
desculpa de conto de fadas é contudo ideal para cobrir falhas do argumento. O
próprio miúdo pergunta, numa das muitas vezes que o filme quebra para voltar ao
‘presente’ (vezes a mais): ‘mas como pudeste aparecer nesse sítio se estavas no outro?’.
Depp apenas sorri e ou não responde, ou responde enigmaticamente. Mas se o
público pensar bem, o miúdo tem razão. Há eventos inexplicáveis na história,
mas ao menos os argumentistas arranjaram esta maneira para se desculpar. Ao
mesmo tempo, assim justificam porque é que o filme não deve ser levado a sério.
É uma fantasia do Velho Oeste. Deve ser julgada como tal.
O possante Armie Hammer acaba por ser uma escolha acertada para o Lone
Ranger e adequa-se bem às várias fases da sua personagem. Inicialmente é um
advogado que acredita no bem e que é contra o uso das armas, mas quando um
grosseiro e assustador líder de um bando de desperados mata o seu irmão, o
xerife, e outros membros da comunidade, Hammer jura vingança. Esta perseguição
inicial ao vilão estende-se por inúmeras cenas e é numa dessas que conhece
Tonto, o índio que será o seu companheiro de aventuras. Muito tempo é perdido ao
longo deste processo a definir a história de base de todas as personagens e a
justificar do plano dos mãozões. Este claro, não constitui nada de novo. Não é
por acaso que estes argumentistas também escreveram os filmes do Zorro com
Banderas. O plano dos vilões deste filme é quase uma cópia integral do do Zorro
de 1998. Hoje em dia já não se faz um western na Califórnia sem que a história
envolva um caminho-de-ferro, um homem rico que o quer construir e que contrata
uns capangas para tirarem todos os obstáculos do caminho, e claro, uma mina
algures que contém alguma riqueza. Por acaso, vá lá, neste filme não é ouro. É
prata.
Portanto, para equilibrar isto cinematograficamente e criar bases sólidas
para a acção, ‘Lone Ranger’ vai referenciar todos os westerns seminais que
envolvem estes temas, desde ‘Once Upon a Time in the West’ (1968), a ‘Union
Pacific’ (1939) a ‘General’ (1926) de Buster Keaton, entre tantos outros. O
clímax do filme, a perseguição de um comboio a outro comboio e o desastre na
ponte, parecem uma cópia (vá homenagem) do filme de 1926. Se dissesse
‘realizado por Scorsese’ os críticos certamente estariam hoje a falar da enorme
‘homenagem’ que este filme continha. Como é Verbinski… Na realidade, Verbinski
nunca copia directamente, mas o filme acaba por ser um reciclar de temas
batidos, que depois inclui as eventuais deputas entre o herói e o seu ajudante
(“ai é, então fico melhor sozinho!”) até obviamente as pazes serem feitas antes
da perseguição final, e a introdução de personagens que dão uma dimensão
emocional à trama: Ruth Wilson como a viúva do xerife com um filho por quem
Hammer tem afecto mas que também é disputada pelo vilão; e Helena Bonham Carter
a clássica dona de uma casa de prostitutas, dura mas com o coração de ouro, que
acaba por dar uma mãozinha nas festividades. E há ainda os maus engraçados e
burros, que parecem ser uma cópia do duo cómico de Piratas das Caraíbas (aquele
que está sempre a perder o olho e o seu compincha), só para as cenas bons vs
maus também proporcionarem risadas.
É nas cenas de acção, contudo, especialmente nos últimos 20 minutos do
filme, que ‘Lone Ranger’ atinge o seu esplendor. Quando a história está toda
contada, os flashbacks todos mostrados, os maus revelados e as justificações
todas explicadas, então o filme fica finalmente livre das amarras da construção
da história para mostrar ao público aquilo que ele quer ver. Hammer a cavalo, o
‘Lone Ranger’ em pleno, Depp a saltar entre comboios, a correr de maneira
esquisita e a arregalar os olhos quando faz asneiras despropositadas, tudo o
que é personagem boa a ajudar e tudo o que é vilões maus a perecer, à medida
que os dois comboios se aproximam de uma ponte carregada de explosivos…
Que o filme ‘Lone Ranger’ transpõe para o cinema de espectáculo dos dias de
hoje a essência da série de TV não haja dúvidas. Que ‘Lone Ranger’ entretém, é
engraçado e tem boa acção também. Que mais se pode pedir de um filme com estas
pretensões? Não é artístico, nem poético nem profundo. Mas não é
cinematograficamente mau, nem tem uma história ridícula, nem é apenas, como
dizem os americanos ‘mindless special effects’ (sim, estou a pensar em ti
‘Pacific Rim’). O filme poderá pecar por tentar fugir do entretenimento apenas
pelo entretenimento, dando para isso um grande enfoque na história de base que
nunca é justificado e que sabe muitas vezes a oco. Por vezes parece ser um
desses filmes modernos de super heróis que, desde ‘Batman Begins’ têm sempre
que fazer uma grande festa para justificar porque é que o herói tem que usar a
máscara. ‘Lone Ranger’ não é propriamente bem-sucedido nesse aspecto, mas para
mim isso é pouco ou nada relevante. E o senhor até fica bem de máscara montado
num cavalo por isso não acho que alguém deva fazer um grande alarido acerca
disso. Se muita da história de base podia ser dispensada, ao menos serve para
as eventuais sequelas (se bem que isso podia ter reduzido consideravelmente o tempo
do filme, que tem quase 2h30!). E podia-se ter evitado passar tantas vezes para
o ‘presente’ (já percebemos, é uma lenda, uma fantasia). Mas quando chega o
momento da verdade ‘Lone Ranger’ responde à chamada como os melhores filmes de
acção/fantasia. Portanto não vejo nenhum problema neste filme, se o
considerarmos no seu devido lugar e no seu devido contexto.
Em 2011 os críticos louvaram a forma como ‘Rango’ captou a essência do Velho
Oeste. Em boa verdade, ‘Lone Ranger’ não se afasta dessa forma de filmar, nem
desse estilo de fotografia, nem sequer em termos de design de produção. Não tem um tipo que é claramente Clint Eastwood como 'Rango' mas tem outras referências contidas mas inteligentes.Talvez por isso não tenha agradado aos críticos... Porque abertamente o filme acaba
por ser como a própria fanfarra que é o tema da série. Tem muita pompa e
circunstância, tem muito espalhafato, tem tudo dito abertamente. E só por vezes
é inteligentemente subtil. Bons actores, boa acção, boas localizações de filmagem, boa
fotografia, boa realização. Historia fraquinha mas tragável, conteúdo emocional
a roçar o suportável. Comédia no ponto. Quantos filmes se podem gabar de ter
uma cena tão simplesmente engraçada como aquela em volta das campas com Depp e
o cavalo?
Reitero que não está aqui nenhuma obra-prima, nem um grande western. O que
está aqui é um digno descendente dos ‘Piratas das Caraíbas’ e um filme digno
para gastar o preço de um bilhete na época de Verão. É digno porque não é nem
presunçoso, nem por outro lado uma coisa que dispara para todos os lado, com
más actuações e efeitos especiais à bruta (estou a falar de ti outra vez ‘Pacific
Rim’!). O que eu digo é, dêem uma chance a este filme. Se há filme injustiçado
este ano pela crítica, é este!
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