Realizador: Sam Raimi
Actores principais: James Franco, Michelle Williams, Rachel Weisz
Duração: 130 min
Crítica: Os vários livros que Frank L. Baum escreveu sobre a terra de Oz no início do século XX pertencem hoje ao domínio público, ou seja, qualquer pessoa pode fazer adaptações sem pagar quaisquer direitos. Mesmo assim, o poder do musical de 1939 ‘The Wizard of Oz’ com Judy Garland é ainda hoje tão grande que um remake ou qualquer outro tipo de re-adaptação séria praticamente nunca foi considerado por um grande estúdio. Claro, já houve paródias (‘Muppet Wizard of Oz’), o musical com Michael Jackson (‘The Wiz’) e alguns filmes de baixo orçamento para crianças, quer de imagem real ou animação, mas nunca um filme, desde então (o próprio Baum esteve envolvido em vários filmes mudos nos anos 1910), sério e, digamos, fidedigno. E isso passou-se exactamente pelo mesmo motivo de não haver ainda (e espera-se nunca) remakes ‘sérios’ no grande ecrã de ‘Gone With the Wind’, ‘Casablanca’, ‘Ben-Hur’ ou outro grande clássico intocável. Aquilo que é querido, aquilo que legiões de pessoas amam no Cinema não pode ser mexido. O risco de ofender o público é demasiado grande, e nenhum produtor quer ofender o público. (Como gostava eu que mais filmes clássicos fossem assim tão queridos!)
Talvez por esse motivo ‘Oz the Great and Powerful’, após muita especulação sobre se seria um remake ou não, acaba por ser uma aventura ligeira e engraçada, constantemente a piscar o olho à câmara, e sempre com um tom gozão, teatral, e artificialmente melodramático, de uma forma consciente, embrenhado num display exagerado de efeitos especiais. Ou seja, neste filme os actores estão perfeitamente conscientes de que não querem ofender nenhuma das memórias ternas que o público tem do filme original, que no mundo de Oz o bem e o mal estão claramente definidos e que os extremos devem ser exagerados para que isso se perceba bem, e que o humor deve ser leve e prazenteiro. Para além do mais, embora ostensivamente (de acordo com os créditos) o filme seja baseado nos livros de Baum (para não pagarem os direitos à Warner Brothers, diz-nos o imdb!), na realidade o filme é claramente uma prequela, existe para justificar o aparecimento num determinado local de uma determinada personagem do filme de 1939. Portanto, quem conhece bem o filme de 1939 (como é o meu caso) mesmo que só tenha lido um ou dois das dezenas de livros passados em Oz (como é o meu caso) vai perceber todas as nuances deste filme. E quem nunca viu o original terá uma história fácil de seguir, embora possa não perceber as variadas indirectas. Este é um filme sem qualquer ambição senão entreter, e pelo menos isso cumpre, embora por vezes exagere e os diálogos, independentemente do argumento (da história), estejam muito mal escritos, a meu ver.
As semelhanças ao filme de 1939 começam cedo. A sequência inicial no Kansas, que nos apresenta o mágico de feira Oz, diminutivo de Oscar (James Franco), como um aldrabãozote engatatão, são em 4:3 e a preto e branco. Obviamente conhecemos personagens que terão um outro eu na terra também chamada Oz (o seu assistente Zach Braff que se torna um macaquinho, o amor da sua vida Michelle Williams que se torna a bruxa boa, uma pequena miúda paraplégica Joey King que se torna uma frágil boneca de porcelana), mas curiosamente não conhecemos, no Kansas, nenhuma das vilãs, as bruxas más Mila Kunis e Rachel Weisz. Essas não têm contraponto. Se nos lembrarmos bem, no filme de 1939 a bruxa má no sonho de Oz é a vizinha mal-encarada de Dorothy no Kansas. Este tipo de ‘esquecimentos’ será recorrente em todo o filme. Oz, um mágico interesseiro, é então, quando chega um tornado, levado para a terra de Oz. Mais uma vez, o filme tenta homenagear o clássico de 1939 (por exemplo as visões que Franco tem dentro do olho do tornado) com uma grandiosa demonstração de efeitos especiais. Mas estes nunca puderam, nem nunca poderão, substituir uma boa realização. Notemos a cena de transição do p/b para a cor. Quando Judy Garland aterra em Oz está dentro da sua casa, que ainda é a p/b, pois pertence ao mundo real. Abre e a porta e lá fora Oz está a cores, e ela transita, com o simples passar da porta, de um mundo para outro. Claro que o último plano (Garland dentro de casa a abrir a porta), já é a cores, mas o realizador Victor Flemming disfarça isto muito bem colocando todo o interior da casa em sombra, pelo que parece que ela passa, realmente, do p/b para a cor. Neste filme de 2013, com tanta tecnologia, a transição é feita pessimamente. O mágico está no seu balão e olha em volta e vê que está na terra de Oz. Um plano longo mostra-nos essa terra, e à medida que a está a mostrar, em todo o esplendor do CGI, de repente ocorre a passagem do p/b para a cor, e do 4:3 para o 16:9. Não há a transição de um mundo para outro, há apenas o carregar de um botão no computador. Isto é triste e demonstra as más escolhas feitas pelo realizador Sam Raimi, o mestre do horror independente dos últimos 20 anos, e cuja incursão no blockbuster foi apenas a trilogia ‘Spider Man’ na década de 2000.
Na terra de Oz, o mágico com o mesmo nome parece ser o feiticeiro anunciado por uma profecia. Ele tenta disfarçar o facto de não ser um feiticeiro verdadeiro para ficar rei e possuir as riquezas da Cidade de Esmeralda. Mas isto cedo resulta furado, por causa das intrigas da bruxa má, o que fará com que o mágico se junte às criaturas e aos habitantes invulgares da terra de Oz numa batalha final que libertará o povo da opressão. Esta história simples demora o seu tempo a desenrolar. Por mais de uma hora parece que não mora ninguém em Oz senão as bruxas boas e más, o macaco e a bonequinha de porcelana. A maior parte das cenas incluem apenas o mágico e mais uma ou duas personagens. Por exemplo, a primeira vez que o mágico chega à cidade de Esmeralda acompanhado por Mila Kunis, vê-a ao longe num plano semelhante, senão igual, ao filme de 1939, mas o plano logo a seguir já ocorre dentro do palácio. Não se vê praticamente um único habitante, e de novo isto é algo que escapa ao realizador. Só de repente, quando são precisos dois exércitos para a ‘batalha’, é que aparecem os vários cidadãos das várias terras de Oz. Neste caso, o argumento mostra realmente todos os povos de Oz (ao contrário do filme de 1939), mas sempre que pode faz a ligação ao clássico. Contudo, há ligações que faltam. Por exemplo, nenhum Munchkin fala com a voz de falsete acelerada, embora queiram cantar constantemente à primeira oportunidade. Felizmente, a ‘batalha’ acaba por ser mais um exercício de prestidigitação (ou seja sem violência e muito mais apelativo para o publico jovem), ao contrário do que se fez em ‘Narnia’ ou o que o Tim Burton fez no mundo do outro lado do espelho em ‘Alice no País das Maravilhas’. Essa tentativa de ‘senhor dos aneizar’ estes mundos fantasiosos (principalmente no da Alice), ocorreu sem cabimento, e felizmente ‘Oz the Great and Powerful’ não cai nessa tentação. Contudo, as bruxas não conseguem passar sem uma contenda à Harry Potter. Já não é possível hoje em dia fazer um filme numa terra de fantasia sem ter um destes elementos, que os efeitos especiais tão facilmente conseguem proporcionar.
No final não fiquei muito impressionado com ‘Oz the Great and Powerful’. Suponho que as crianças desfrutarão da beleza do Mundo, dos efeitos especiais, e da história simples e mastigada, contada com performances exageradas mas conscientes pelos actores principais. O filme é todo uma grande ilusão, o que na realidade não é mau de todo. Contudo, é desequilibrado nas suas referências ao clássico de 1939, depende demasiado dos efeitos especiais, e o mágico Oz tal como interpretado por James Franco é fanfarrão e não tem as melhores intenções mesmo, mesmo até ao final do filme (sem se perceber muito bem como é que ‘muda’ nessa altura se tudo pelo qual passou não o mudou até então), claramente contrastando com a alma simpática que foi Frank Morgan no filme de 1939. As falas do argumento são muito fraquinhas, e a estrutura das cenas também deixa algo a desejar, embora a história seja até aceitável. Continuo sem gostar muito dos talentos como actriz de Mila Kunis, mas os papeis secundários de Braff ou Weisz convencem. Sam Raimi criou um filme com muitos floreados mas pouco imaginativo, sem pretensões (o que é bom) e que apelará mais ao público jovem do que aos adultos. Provavelmente era essa intenção, pelo que poder-se-á chamar a isto um projecto bem sucedido. Contudo, uma coisa o filme não é: mágico. Claramente. Tem muita cor, algumas piadas engraçadas e personagens simples e de fácil compreensão. Mas não é mágico. Não há nada nele que fique na alma, o que é uma pena, visto a terra de Oz ser um dos locais mais mágicos alguma vez concebidos na ficção. Este é um filme de aventura leve e engraçado que bem podia ter sido feito em animação pela Pixar e lançado no Verão. O clássico de 1939 continua intocável e o único filme a captar a essência maravilhosamente mágica da terra de Oz. Infelizmente, parece difícil o Cinema alguma vez voltar a produzir uma obra deste calibre.
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