Realizador: Martin Scorsese
Actores principais: Asa Butterfield, Chloë Grace Moretz, Christopher Lee
Duração: 126 min
Crítica: É para mim um mistério como o filme ‘Hugo’ de Martin Scorsese agradou aos que se dizem entendidos em cinema (e que ganham a vida, ao contrário de mim, como tal). Que apele às ditas "massas" eu percebo, visto que é um filme fácil para a família, com drama e comédia em doses ponderadas e de simples compreensão, argumento mastigado e acessível, e de imagens belas e bem construídas. Agora que se anuncie que este filme, para além de um filme de Natal para a família, seja uma grandiosa homenagem ao cinema mudo, escapa à minha compreensão. Este filme não é uma grandiosa homenagem ao cinema mudo. Se alguma coisa, é uma afronta, pois deturpa historicamente uma época que não só foi pioneira, como contribuiu com obras de uma qualidade que o Cinema, mesmo após mais 80 anos de história, raramente conseguiu voltar a produzir. Ao ver ‘Hugo’ o ano passado numa sala de cinema, extremamente enfadado, enervado até à ponta dos cabelos com a adulteração histórica, só sentia vontade de estar cara a cara com Scorsese para lhe pedir satisfações, em meu nome e em nome de um rol de outros como Chaplin, Lloyd, Keaton, Fairbanks, Griffith, Pabst ou Lang.
Para que o leitor, não familiarizado com a história do Cinema, me entenda, dou um exemplo simples. Imagine-se que daqui a 50 anos alguém faz um filme que procura, supostamente, homenagear a pessoa de Francis Ford Coppola, e mais concretamente a produção dos dois primeiros filmes da saga ‘The Godfather’ (1972 e 1974). Contudo, nesse filme hipotético, imagens soltas da saga de ‘Indiana Jones’ de Spielberg (1981, 1984, 1989), do ‘Avatar’ (2009) de Cameron ou até de ‘Hugo’ de Scorsese, aparecem indistintamente, associadas quer a Coppola, quer a ‘The Godfather’. Segundo a estrutura apresentada no filme ‘Hugo’, se estes filmes que citei são todos a cores, são todos americanos, e foram todos realizados num intervalo de tempo de 30 anos, então devem ser todos postos no mesmo saco, por assim dizer, e são todos, indistintamente, a mesma coisa que ‘The Godfather’, mais pormenor menos pormenor. Isto claro, é uma autêntica barbaridade.
Mais chocante ainda é o facto de Scorsese ser um reputado historiador de cinema. Inúmeros são os documentários que realizou e as palestras que proferiu. Inúmeros são os nomes da história do cinema que ele lutou para reavivar na memória do público (como o de Michael Powell), através da promoção dos seus filmes, da sua reposição nas salas de cinema e da sua comercialização no mercado do cinema em casa. Contudo, a aparente ignorância de Scorcese no cinema pré-1930, de acordo com o que transparece em ‘Hugo’, gela-me a espinha, choca-me até ao tutano. Eu sou um historiador de cinema autodidacta. Nunca tirei um curso de cinema, nem tenho uma coluna num jornal. O que sei aprendi-o em milhares de horas de visualização e em leituras especializadas. Para não julgar sem saber, escolhi ver, e ao ver continuamente, dia após dia, ganhei, creio eu, conhecimento focado e abrangente ao mesmo tempo. Posso afirmar firmemente "eu sei a minha história do cinema!". Eu sei que existiram filmes mudos de 1895 a 1929 e que esses filmes não são todos iguais e não podem ser todos colocados no mesmo saco genérico. Sei que ‘Voyage dans la lune’ de George Meliés foi feito em 1902 mas que esse não foi, nem de perto nem de longe, o seu único nem o melhor filme (já agora, sugiro o magnífico ‘Un déshabillage impossible’ de 1901, uma curta de apenas 2 minutos). Sei que ‘Safety Last!’ com Harold Lloyd foi feito em 1923. Sei que ‘Die Büchse der Pandora’ de Pabst foi feito em 1929. E sei também que estes filmes representam géneros e períodos diferentes da evolução do cinema.
Portanto quando vejo, a meio do filme ‘Hugo’, cenas destes três filmes misturadas na mesma montagem sob o título de ‘primórdios do cinema’ começo a desconfiar da aclamada "homenagem ao cinema mudo", especialmente porque a acção do filme ‘Hugo’ se passa em 1931. Ora um filme de 1929 como ‘Die Büchse der Pandora’ certamente não estaria referenciado no livro que Hugo folheia intitulado ‘Primórdios do Cinema’, pois tinha acabado de ser feito! A amiga de Hugo, Isabelle, nunca exclamaria na época "mas está a cores!" ao ver um excerto de um filme com a celulóide pintada à mão. Isso exclama uma miúda de 2012 e muitas outras pessoas que eu conheço que têm para si que todos os filmes feitos antes de 1970 são a preto e branco. Uma miúda de 1931, especialmente uma que, tal como a personagem de Isabelle, é fascinada por cinema, certamente já teria visto outros filmes dos anos 1920 com sequências tingidas a cor, como por exemplo as de ‘The Phantom of the Opera’ (1925). Esta exclamação, e esta cena em particular, existem em ‘Hugo’ apenas para que alguém possa responder "ah, pintamos frame a frame à mão" e assim instruir o público moderno. Mas se esta instrução é baseada em meias verdades, as personagens e a história perdem credibilidade e o filme torna-se apenas fachada sem conteúdo.
Portanto quando vejo, a meio do filme ‘Hugo’, cenas destes três filmes misturadas na mesma montagem sob o título de ‘primórdios do cinema’ começo a desconfiar da aclamada "homenagem ao cinema mudo", especialmente porque a acção do filme ‘Hugo’ se passa em 1931. Ora um filme de 1929 como ‘Die Büchse der Pandora’ certamente não estaria referenciado no livro que Hugo folheia intitulado ‘Primórdios do Cinema’, pois tinha acabado de ser feito! A amiga de Hugo, Isabelle, nunca exclamaria na época "mas está a cores!" ao ver um excerto de um filme com a celulóide pintada à mão. Isso exclama uma miúda de 2012 e muitas outras pessoas que eu conheço que têm para si que todos os filmes feitos antes de 1970 são a preto e branco. Uma miúda de 1931, especialmente uma que, tal como a personagem de Isabelle, é fascinada por cinema, certamente já teria visto outros filmes dos anos 1920 com sequências tingidas a cor, como por exemplo as de ‘The Phantom of the Opera’ (1925). Esta exclamação, e esta cena em particular, existem em ‘Hugo’ apenas para que alguém possa responder "ah, pintamos frame a frame à mão" e assim instruir o público moderno. Mas se esta instrução é baseada em meias verdades, as personagens e a história perdem credibilidade e o filme torna-se apenas fachada sem conteúdo.
‘Hugo’ foi aclamado como um grande filme. Foi nomeado para 11 Óscares (imagine-se!) e ganhou 5. Porquê? Para começar porque diz "realizado por Martin Scorcese". Quantas vezes já não se viu um realizador desconhecido a fazer um filme melhor e a ser desconsiderado em prol de um filme menor de um realizador conhecido? Segundo porque uma das personagens do filme é George Meliés (interpretado pesarosamente por Ben Kingsley), um mágico que no final do século XIX, início do século XX, se tornou um dos mais importantes pioneiros do cinema. Verdade que Scorsese enche o filme de pequenos clips, belas imagens dos filmes de Meliés, mas isso não é suficiente para se tornar numa homenagem ao homem. É, quanto muito, uma pseudo-homenagem, pois usa o seu bom nome, e o dos seus filmes, para propósitos superficiais. Contudo, porque essa personagem existe, e porque esses excertos são passados, o crítico banal assume que tudo está correcto (porque confia em Scorsese já que não sabe por si próprio) e tira o chapéu ao realizador por se ter dignado a usar esses clips num dos seus filmes! Mas qual é a glória se tudo é adulterado? Qual é o brilhantismo da homenagem se as referências (ao homem e aos seus filmes) estão cheias de incongruências históricas? E, mais importante que tudo, onde está a qualidade se a história de ‘Hugo’ é banalíssima, cheia de falhas e com personagens tão finas como folhas de papel?
A explicação para este escandaloso engano é, contudo, simples. Raros são os críticos/espectadores que conseguiram ponderar os dois lados da questão. A maior parte, cegado por este atirar de referências desconexas históricas, ou não prestou atenção à história, ou então considerou-a como uma consequência dessa maior ‘homenagem’. Mas que o leitor não se engane. ‘Hugo’ é baseado num livro, uma história para crianças, que quase só tem imagens. Portanto é natural que as personagens sejam superficiais e as referências ao cinema poucas. A tentativa de apimentar o filme com ‘os primórdios do cinema’ só engana, na realidade, quem não sabe nada acerca desses primórdios. O normal nestas adaptações de livros infantis é trabalhar sobre as personagens, dando-lhes profundidade. Mas em ‘Hugo’ esse trabalho não foi feito, nem de perto nem de longe. Portanto por um lado o livro não é enriquecido, pelo que a adaptação falha em transformar-se num produto cinematográfico. Por outro a homenagem ao cinema mudo está extremamente mal executada. O filme está num limbo em que cada parte tenta enganar a outra, e portanto quem não tem um conhecimento aprofundado acerca de uma dessas partes assume, infelizmente, que ela está correcta.
Os Óscares são um exemplo de como este embuste atingiu uma larga escala. Mas vale a pena salientar que os cinco Óscares de ‘Hugo’ foram quase todos em categorias técnicas, o que mesmo assim não foi muito justo. Algo semelhante ocorreu este ano com ‘Life of Pi’ (2012). Embora outros nomeados como ‘The Avengers’ ou ‘The Hobbit’ tenham efeitos muito mais bem trabalhados, dispendiosos e espectaculares, como não são tidos como filmes ‘sérios’ não conseguem ganhar galardões prestigiados se estiverem em competição contra filmes com um mínimo de (menores) efeitos especiais e que sejam aclamados como obras ‘bonitas’. ‘Hugo’ ganhou a categoria de melhores efeitos visuais, por exemplo, contra o último filme da saga ‘Harry Potter’, o terceiro ‘Transformers’ (cuja ultima hora é carregada de efeitos especiais magníficos) e até ao último ‘Planet of the Apes’ que possui uma brilhante caracterização do macaco principal através da tecnologia inovadora do ‘motion capture’ do corpo de Andy Serkis (o Gollum). Qualquer um destes filmes tinha bem melhores efeitos visuais que ‘Hugo’, mas nenhum deles é um filme suposto ‘sério’.
A explicação para este escandaloso engano é, contudo, simples. Raros são os críticos/espectadores que conseguiram ponderar os dois lados da questão. A maior parte, cegado por este atirar de referências desconexas históricas, ou não prestou atenção à história, ou então considerou-a como uma consequência dessa maior ‘homenagem’. Mas que o leitor não se engane. ‘Hugo’ é baseado num livro, uma história para crianças, que quase só tem imagens. Portanto é natural que as personagens sejam superficiais e as referências ao cinema poucas. A tentativa de apimentar o filme com ‘os primórdios do cinema’ só engana, na realidade, quem não sabe nada acerca desses primórdios. O normal nestas adaptações de livros infantis é trabalhar sobre as personagens, dando-lhes profundidade. Mas em ‘Hugo’ esse trabalho não foi feito, nem de perto nem de longe. Portanto por um lado o livro não é enriquecido, pelo que a adaptação falha em transformar-se num produto cinematográfico. Por outro a homenagem ao cinema mudo está extremamente mal executada. O filme está num limbo em que cada parte tenta enganar a outra, e portanto quem não tem um conhecimento aprofundado acerca de uma dessas partes assume, infelizmente, que ela está correcta.
Os Óscares são um exemplo de como este embuste atingiu uma larga escala. Mas vale a pena salientar que os cinco Óscares de ‘Hugo’ foram quase todos em categorias técnicas, o que mesmo assim não foi muito justo. Algo semelhante ocorreu este ano com ‘Life of Pi’ (2012). Embora outros nomeados como ‘The Avengers’ ou ‘The Hobbit’ tenham efeitos muito mais bem trabalhados, dispendiosos e espectaculares, como não são tidos como filmes ‘sérios’ não conseguem ganhar galardões prestigiados se estiverem em competição contra filmes com um mínimo de (menores) efeitos especiais e que sejam aclamados como obras ‘bonitas’. ‘Hugo’ ganhou a categoria de melhores efeitos visuais, por exemplo, contra o último filme da saga ‘Harry Potter’, o terceiro ‘Transformers’ (cuja ultima hora é carregada de efeitos especiais magníficos) e até ao último ‘Planet of the Apes’ que possui uma brilhante caracterização do macaco principal através da tecnologia inovadora do ‘motion capture’ do corpo de Andy Serkis (o Gollum). Qualquer um destes filmes tinha bem melhores efeitos visuais que ‘Hugo’, mas nenhum deles é um filme suposto ‘sério’.
Em termos de história ‘Hugo’ conta as aventuras e desventuras de um rapaz órfão que mora dentro da gare de comboios de Paris, onde, após a morte do seu pai e do seu tio, arranja e mantém os relógios da estação sem que ninguém saiba. Na verdade, como ele subsiste e se alimenta também ninguém sabe, visto que o filme apenas o mostra a roubar um único croissant da padaria da estação uma única vez (e mesmo assim com extrema dificuldade) e ele supostamente mora lá sozinho há anos. Se nisto até podemos acreditar (não fosse este um filme para apelar à nossa imaginação e portanto damos um desconto), é difícil de crer como é que Hugo não morre de frio, visto que passa o filme todo, passado no Inverno, de calções. A única explicação que posso encontrar é que a Gare, em 1931, devia ter um sofisticado sistema de aquecimento central. O seu pai (Jude Law nos flashbacks), um relojoeiro talentoso, deixou-lhe um legado, um boneco mecânico por arranjar. O sonho de Hugo, nos seus momentos de solidão, é arranjar o boneco, e portanto percorre os intrincados mecanismos dos relógios da Gare à procura das peças necessárias. Ele acredita que uma vez ‘ligado’, o engenho mecânico lhe poderá transmitir uma última mensagem do pai.
Deambulando pela estação, cria um laço de amizade com um velho (que apesar do mistério se assume logo ser Meliés), dono de uma loja de brinquedos, e com a sobrinha deste, Isabelle, que se torna parceira de aventuras de Hugo e que se propõe a ajudá-lo a desvendar o segredo do engenho. Mas o filme não se apercebe, ou então esquece-se de mencionar, de algo que imediatamente notarão os espectadores atentos. Na realidade não há segredo nenhum e esta história, suposta central do filme, esgota-se passados 45 minutos. Melhor dizendo, acaba aqui para o espectador que raciocina, pois o desfecho e a revelação da suposta ‘surpresa’ só aparecem mais tarde. Mas ainda sobram 1h20min de filme, que são enchidos com elementos que mais uma vez servem para ‘atirar areia para os olhos’, entreter mas não convencer, porque são forçadamente associados à história principal. Primeiro ocorrem os escapes cómicos (alguns na verdade até bem cómicos, mas irrelevantes para o filme) protagonizados por Sacha Baron Coen, o Inspector da estação, e depois ocorre a tal pseudo-homenagem a Meliés.
Deambulando pela estação, cria um laço de amizade com um velho (que apesar do mistério se assume logo ser Meliés), dono de uma loja de brinquedos, e com a sobrinha deste, Isabelle, que se torna parceira de aventuras de Hugo e que se propõe a ajudá-lo a desvendar o segredo do engenho. Mas o filme não se apercebe, ou então esquece-se de mencionar, de algo que imediatamente notarão os espectadores atentos. Na realidade não há segredo nenhum e esta história, suposta central do filme, esgota-se passados 45 minutos. Melhor dizendo, acaba aqui para o espectador que raciocina, pois o desfecho e a revelação da suposta ‘surpresa’ só aparecem mais tarde. Mas ainda sobram 1h20min de filme, que são enchidos com elementos que mais uma vez servem para ‘atirar areia para os olhos’, entreter mas não convencer, porque são forçadamente associados à história principal. Primeiro ocorrem os escapes cómicos (alguns na verdade até bem cómicos, mas irrelevantes para o filme) protagonizados por Sacha Baron Coen, o Inspector da estação, e depois ocorre a tal pseudo-homenagem a Meliés.
Eu sei algumas coisas sobre Meliés, algumas que fui lendo ao longo dos anos e outras que tive o prazer de encontrar numa caixa de DVDs da cinemateca francesa que o meu pai me ofereceu aqui há uns anos contendo cerca de 30 curtas do realizador. No livrete dessa caixa existem informações interessantes que parecem ser desconhecidas dos produtores do filme ‘Hugo’. De acordo com dados históricos comprovados, Meliés trabalhou realmente numa loja de brinquedos na Gare de Paris, quando o seu nome estava praticamente esquecido e as suas curtas consideradas perdidas. Mas isto ocorreu nos anos 1920 e não nos anos 1930. Quando algumas das suas curtas foram redescobertas uma homenagem foi realmente feita em Paris. Mas esta homenagem ocorreu em 1929 e não em 1931 como se diz no filme. Quando Meliés morreu, em 1938, achava-se que apenas 8 das suas curtas tinham sobrevivido. As restantes curtas que hoje existem nas caixas de DVDs (dezenas delas) foram encontradas por todo o Mundo entre os anos 1940 e 1960 por uma Fundação que se criou posteriormente. Ora no filme ‘Hugo’, em 1931, apenas um filme de Meliés existe, obviamente (que coincidência!) o seu mais popular (hoje e não na altura, note-se) ‘Voyage das la lune’. Na sua gala de redescoberta, que é o clímax do filme, poucas semanas depois do seu início em termos da acção fictícia, é-nos dito que todos os seus filmes já foram encontrados, e, seguramente, eis que vemos um clip de 2 ou 3 minutos dos melhores momentos. Esta cena, como aliás o flashback da vida de Meliés no fim do filme, são realmente interessantes e mágicos, e são as únicas cenas com interesse. O pequeno problema é que ocupam apenas 5 minutos de um filme de mais que duas horas. Aí sim está uma (pequena) homenagem que só tem interesse de um ponto de vista histórico (visto ser irrelevante para o filme) e apenas para o público moderno que não possui a caixa de DVDs e que nunca viu nada de Meliés. Ao menos por 5 minutos consegue-se ver imagens realizadas por ele.
Mas justificarão esses 5 minutos a experiência angustiante de ver ‘Hugo’ com a sua história enfadonha? Não consigo encontrar interesse no filme fora desses 5 minutos, portanto para mim eles simplesmente não chegam. Hugo procura desesperadamente um segredo que não existe, mas depois quando se torna amigo de Meliés parece esquecer-se que passou metade do filme à procura desse suposto segredo do pai. A linha da história esgota-se passado meio filme que depois se esforça por arrastar (às vezes desesperadamente) até ao final muito, mas mesmo muito lentamente. O 3D, contudo, é muito bom, tal como o desenho de produção, embora seja incongruente (um 1931 que se assemelha estranhamente ao final do século XIX, quer nos cenários, quer nas referencias literárias citadas por Isabelle, que adora ler). Em termos de actuação, a química entre Hugo (o actor Asa Butterfield) e Isabelle (Chloë Grace Moretz) é nula, e procura assemelhar-se forçadamente àquela que existe entre Harry Potter e da Hermoíne (Isabelle é enervante, convencida e fala com um sotaque inglês forçado e pouco convincente). Os papéis secundários são atribuídos a pessoas que sabem o que fazem (Emily Mortimer, Christopher Lee, Jude Law) mas nem isso consegue salvar o filme, na minha opinião.
No final, uma pergunta: afinal ‘Hugo’ é sobre quê? É sobre o cinema mudo? Não parece devido às incongruências históricas já mencionadas. É sobre o cinema em geral? Parece estranho pois toda a estrutura de referência cinematográfica não tem eira nem beira. Mais um exemplo. Numa cena, Hugo e Isabelle vão ao cinema. Estamos em 1931, relembre-se, ano em que o sonoro já existia. Contudo, aparentemente não sabem isso em Paris, visto que só parece haver exibições de filmes mudos que obviamente, à excepção de ‘City Lights’, não são de 1931. O filme que vão ver é o ‘Safety Last!’ que é de 1923. Sim, podia ser uma reposição, embora isso fosse extremamente raro na altura. Sim, o filme podia ter demorado algum tempo a chegar à Europa, mas certamente não oito anos (em Paris, diz-nos o imdb, estreou em 1924). Não parece haver nenhuma referência aos grandes clássicos de 1931 que fizeram sucesso pelo Mundo: ‘The Public Enemy’, ‘Frankenstein’, ‘Little Ceasar’, ‘Dracula’, ‘City Lights’ de Chaplin, ‘Monkey Business’ com os irmãos Marx, ‘Mata Hari’ com Greta Garbo, ‘A Free Soul’, ‘Skippy’, ‘Cimarron’ que ganhou Óscar de Melhor Filme nesse ano e até ‘M’, que é alemão e por isso chegaria logo a França. Nenhuma das personagens parece saber que tais filmes estavam em exibição na altura. Aliás ninguém ali parece saber o que realmente está em exibição, já que no cinema a que vão há posters indiscriminados de clássicos dos trinta anos anteriores. Numa época em que os filmes eram feitos e praticamente deitados fora, isto parece muito, mas mesmo muito estranho para alguém que saiba alguma coisa sobre o assunto. Hugo também refere várias vezes no filme que foi ver ‘Robin Hood’, protagonizado por Douglas Fairbanks, ao cinema com o pai, e é uma das memórias que mais preza. Se pensarmos que Hugo tem 12 anos durante os eventos retratados no filme (de acordo com a sinopse oficial), em 1931, e que ‘Robin Hood’ é de 1922, então Hugo teria 3 anos quando criou essa magnifica memória de ligação pai-filho. Acho difícil que se recorde assim tão bem. Das duas uma, ou alguém não sabe fazer contas, ou simplesmente não percebe nada de cinema.
Mas mesmo assim o leitor ainda poderá afirmar que a beleza do filme está nos valores pessoais e a parte do cinema é só para formar um contexto, por isso não precisa de ser exacta. Muito bem, concordaria consigo se tal fosse verdade, mas eu pergunto, que valores pessoais? Isto é um filme sobre um miúdo que quer encontrar uma nova família durante o Natal, ao mesmo tempo que quer resolver um segredo forçado que não existe. Essa parte da família já eu vi em milhares de filmes banais de Natal. Já o vi magnificamente bem feito (muito melhor que em ‘Hugo’) na odisseia de Fievel em ‘American Tail’, por exemplo, um filme que ganhou zero Óscares. A parte do segredo, bem, para além de ser oca, chega a ser quase inexplicável.
Perto do clímax do filme, quando já todos os espectadores sabem que não há segredo, que a maquineta que o pai lhe deixou era apenas uma antiga invenção de Meliés, e que não dará nenhuma mensagem ao filho, Hugo protagoniza, mesmo assim, uma cena de píncaros dramáticos onde corre contra tudo e contra todos, a chorar e a berrar que se lhe tirarem a máquina vai perder todas as ligações ao pai e nunca vai descobrir o que o pai lhe quer dizer. Mas, caros leitores, o pai não tem nada, absolutamente nada, para lhe dizer! Toda a gente sabe isso. Mas o filme continua a fingir que sim só para dar uma desesperada continuidade à linha argumental que estabeleceu. E quando os filmes fazem isso tornam-se artificiais, porque usam o argumento para forçar algo no espectador que não é credível. Para isso há uma palavra: mau. Filme mau. Lá porque diz ‘Scorsese’ não implica necessariamente bom, mas poucos parecem ter a coragem para o dizer. O coitado do homem pode fazer filmes maus de vez em quando (por exemplo ‘New York, New York’, 1977, impossível de ver), e isso não significa que não seja um bom realizador na mesma. Acho que nesta crítica consegui fazer um raciocínio coerente e bem fundamentado da minha opinião. E depois há aqueles que dizem que isto é bom porque mistura clips de filmes mudos e tem um tipo chamado Meliés. Então se eu fizer um filme que é uma porcaria e que não tem ponta por onde se lhe pegue, mas que tem, algures lá pelo meio, cinco minutos de clips das curtas de Chaplin, Lloyd e Keaton, então vou ganhar o Óscar de Melhor Realizador? O leitor certamente responderá "claro que não, que parvoíce". Lá está. Não tenho mais nada a dizer.
Perto do clímax do filme, quando já todos os espectadores sabem que não há segredo, que a maquineta que o pai lhe deixou era apenas uma antiga invenção de Meliés, e que não dará nenhuma mensagem ao filho, Hugo protagoniza, mesmo assim, uma cena de píncaros dramáticos onde corre contra tudo e contra todos, a chorar e a berrar que se lhe tirarem a máquina vai perder todas as ligações ao pai e nunca vai descobrir o que o pai lhe quer dizer. Mas, caros leitores, o pai não tem nada, absolutamente nada, para lhe dizer! Toda a gente sabe isso. Mas o filme continua a fingir que sim só para dar uma desesperada continuidade à linha argumental que estabeleceu. E quando os filmes fazem isso tornam-se artificiais, porque usam o argumento para forçar algo no espectador que não é credível. Para isso há uma palavra: mau. Filme mau. Lá porque diz ‘Scorsese’ não implica necessariamente bom, mas poucos parecem ter a coragem para o dizer. O coitado do homem pode fazer filmes maus de vez em quando (por exemplo ‘New York, New York’, 1977, impossível de ver), e isso não significa que não seja um bom realizador na mesma. Acho que nesta crítica consegui fazer um raciocínio coerente e bem fundamentado da minha opinião. E depois há aqueles que dizem que isto é bom porque mistura clips de filmes mudos e tem um tipo chamado Meliés. Então se eu fizer um filme que é uma porcaria e que não tem ponta por onde se lhe pegue, mas que tem, algures lá pelo meio, cinco minutos de clips das curtas de Chaplin, Lloyd e Keaton, então vou ganhar o Óscar de Melhor Realizador? O leitor certamente responderá "claro que não, que parvoíce". Lá está. Não tenho mais nada a dizer.
O filme ‘The Artist’, do mesmo ano, conseguiu, esse sim, homenagear os filmes mudos, primeiro porque os respeita e segundo porque as pequenas liberdades tomadas são justificáveis por motivos dramáticos e cinematográficos. Em contrapartida, em ‘Hugo’ a adulteração não é justificável e é, até, ofensiva (para além da história base ser muito fraca). ‘Hugo’, tal como o péssimo filme biográfico ‘Chaplin’ de 1992, homenageia não a partir de factos mas a partir de clichés, ainda por cima considerados da perspectiva do público actual. Isto adultera todo o significado que possa haver e não é por mais lustro que tenham as restantes partes que enchem o balão que se consegue esconder uma completa e total ignorância, e um desrespeito profundo pela sétima arte que o verdadeiro Meliés tão perfeitamente ajudou a criar.
Há pouco mais de um ano saí da sala de cinema muito perturbado e quase a tremer. Amo cinema e custa-me muito vê-lo a ser atacado desta maneira, especialmente por um dos seus principais autores. Scorsese devia ter vergonha. ‘Hugo’ não deve ser visto.
Não vi, deixei praticamente de ver filmes infantis. Pelo que escreves, não perdi nada.
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