Realizador: Werner Herzog
Actores Principais: Klaus Kinski, Claudia Cardinale, José Lewgoy
Duração: 158 min
Crítica: Um gigantesco barco de 300 toneladas está a ser arrastado, através de um intrincado sistema de cordas e roldanas e com a força bruta de centenas de indígenas, pela encosta de uma montanha, no interior da América do Sul, no final do século XIX. Está é a imagem icónica de ‘Fitzcarraldo’, a obra-prima de Werner Herzog. Esta é a imagem que permanece na história do cinema, e aquela que define não só o clímax do filme, mas toda a sua essência. Hoje em dia, esta cena seria rodada no interior de um estúdio e as equipas da ILM ou da Weta realizariam os efeitos especiais necessários em menos de uma semana. Em 1982, Herzog criou este cenário realmente (com a ajuda invisível de um buldozer), corroborando a sua condição de excêntrico e megalómano realizador, o que se adequa à psicologia das personagens principais dos seus grandes filmes, todas elas interpretadas por Klaus Kinski.
Aliás, ‘Fitzcarraldo’ parece ser uma espécie de sequela não oficial de outra considerada grande-obra de Herzog, ‘Aguirre, der Zorn Gottes’ (1972). Nesta Kinski interpreta um explorador espanhol que, no século XVI, lidera uma expedição pelas florestas da América do Sul à procura do El Dorado. À medida que os membros da expedição vão morrendo ou desaparecendo devido à fome, às intrigas gananciosas ou aos ataques de índios, Aguirre (Kinski), perdido na floresta, fica cada vez mais megalómano e doido. Este paranóico arco psicológico, da personagem e do filme, estão reflectidos claramente em ‘Fitzcarraldo’. Kinski, sempre com os seus olhos esgrouviados, cabelo desgrenhado e ar paranóico, vive numa remota cidade colonial no Peru. A sua paixão é a Ópera e o seu sonho é construir uma ópera na selva, onde o grande Caruso possa cantar. Sem dinheiro, e auxiliado por Claudia Cardinale, a madame de uma casa de prostitutas (a sua musa), aceita a comissão da exploração das árvores donde se produz a borracha numa área praticamente inacessível no meio da selva. Subindo o rio a área não pode ser alcançada devido à existência de rápidos, portanto Fitzcarraldo forma o plano de subir um rio paralelo (numa região perigosamente habitada por índios hostis) e, perto da nascente, passar o barco de um rio para o outro através da pouca centena de metros de selva. Obviamente o seu plano é secreto e há uma sensação de que a missão está condenada desde o princípio. A subida do rio poderá ser equiparada às homólogas cenas de ‘Apocalypse Now’ (1979), embora pareça dar a sensação de estar ainda mais bem construída, e da tensão estar ainda mais latente. A tripulação começa a ficar hostil, e o ataque dos índios iminente. Pouco tempo mais tarde só Fitzcarraldo e mais três membros ficam vivos num barco gigantesco. E depois há a aparição dos índios que tomam Fitzarraldo e o barco como um deus e os ajudam na épica mas inevitavelmente condenada transição entre rios, o clímax, uma breve sensação de sucesso que esconde um desfecho mais trágico, senão para as personagens em si, pelo menos para a sua alma. Ou não?
A verdade é que, ao contrário de ‘Aguirre’ em que o próprio filme se perde na sua paranóia e portanto perde interesse (pessoalmente ‘Aguirre’ enfada-me e não o considero uma grande obra-prima), ‘Fitzcarraldo’ tem uma construção épica e extremamente cativante. A personagem está brilhantemente formada; os seus objectivos são magnânimos (a Ópera) mas os seus meios patéticos (até a sua musa é uma prostituta). A subida do rio está filmada de uma forma genial e a épica transição na montanha é um marco da história do cinema. Mas depois o que é que se revela? O final é ambíguo e discuti-lo sem o mencionar é difícil. Até cerca de 2h10min o filme é uma obra-prima, mas a última meia hora faz perder uma importante parte da sua força. A ênfase na glória (mesmo que efémera) é pouca e o contraste com a queda está pouco acentuado. O que ganhou Fitzcarraldo com a expedição, e qual é o seu futuro? O seu ser é tão patético que se substituir o gramofone que constantemente toca ópera no topo do navio por meia dúzia de músicos reais, se sente realizado, mesmo que tudo o resto tenha falhado? O seu feito épico, do ‘homem que move montanhas’, eclipsa-se porque Caruso nunca irá à sua cidade. Portanto, o que sobra?
O filme ‘Fitzcarraldo’ parece ser como a sua personagem principal. Promete mover o mundo mas depois acaba como mais uma coisa banal. Obviamente, isto é a vida, e nessa constatação pode estar o seu segredo. Cinematograficamente perfeito, de uma velha escola que, devido aos efeitos especiais, nunca voltará, o filme de Herzog é um marco de fazer cinema puro e verdadeiro, real, nos locais, megalómano na sua concepção, épico no produto final, mas paradoxalmente simples na sua mensagem. A sensação de vazio que poderá deixar no fim prova que o filme é rico e cheio, porque só o que influencia ao ponto de afectar as emoções é que constitui o cinema que vale a pena ver. Este é o melhor filme de Herzog (que continua a fazer filmes e principalmente documentários) e talvez a melhor performance de Kinski.
Aliás, ‘Fitzcarraldo’ parece ser uma espécie de sequela não oficial de outra considerada grande-obra de Herzog, ‘Aguirre, der Zorn Gottes’ (1972). Nesta Kinski interpreta um explorador espanhol que, no século XVI, lidera uma expedição pelas florestas da América do Sul à procura do El Dorado. À medida que os membros da expedição vão morrendo ou desaparecendo devido à fome, às intrigas gananciosas ou aos ataques de índios, Aguirre (Kinski), perdido na floresta, fica cada vez mais megalómano e doido. Este paranóico arco psicológico, da personagem e do filme, estão reflectidos claramente em ‘Fitzcarraldo’. Kinski, sempre com os seus olhos esgrouviados, cabelo desgrenhado e ar paranóico, vive numa remota cidade colonial no Peru. A sua paixão é a Ópera e o seu sonho é construir uma ópera na selva, onde o grande Caruso possa cantar. Sem dinheiro, e auxiliado por Claudia Cardinale, a madame de uma casa de prostitutas (a sua musa), aceita a comissão da exploração das árvores donde se produz a borracha numa área praticamente inacessível no meio da selva. Subindo o rio a área não pode ser alcançada devido à existência de rápidos, portanto Fitzcarraldo forma o plano de subir um rio paralelo (numa região perigosamente habitada por índios hostis) e, perto da nascente, passar o barco de um rio para o outro através da pouca centena de metros de selva. Obviamente o seu plano é secreto e há uma sensação de que a missão está condenada desde o princípio. A subida do rio poderá ser equiparada às homólogas cenas de ‘Apocalypse Now’ (1979), embora pareça dar a sensação de estar ainda mais bem construída, e da tensão estar ainda mais latente. A tripulação começa a ficar hostil, e o ataque dos índios iminente. Pouco tempo mais tarde só Fitzcarraldo e mais três membros ficam vivos num barco gigantesco. E depois há a aparição dos índios que tomam Fitzarraldo e o barco como um deus e os ajudam na épica mas inevitavelmente condenada transição entre rios, o clímax, uma breve sensação de sucesso que esconde um desfecho mais trágico, senão para as personagens em si, pelo menos para a sua alma. Ou não?
A verdade é que, ao contrário de ‘Aguirre’ em que o próprio filme se perde na sua paranóia e portanto perde interesse (pessoalmente ‘Aguirre’ enfada-me e não o considero uma grande obra-prima), ‘Fitzcarraldo’ tem uma construção épica e extremamente cativante. A personagem está brilhantemente formada; os seus objectivos são magnânimos (a Ópera) mas os seus meios patéticos (até a sua musa é uma prostituta). A subida do rio está filmada de uma forma genial e a épica transição na montanha é um marco da história do cinema. Mas depois o que é que se revela? O final é ambíguo e discuti-lo sem o mencionar é difícil. Até cerca de 2h10min o filme é uma obra-prima, mas a última meia hora faz perder uma importante parte da sua força. A ênfase na glória (mesmo que efémera) é pouca e o contraste com a queda está pouco acentuado. O que ganhou Fitzcarraldo com a expedição, e qual é o seu futuro? O seu ser é tão patético que se substituir o gramofone que constantemente toca ópera no topo do navio por meia dúzia de músicos reais, se sente realizado, mesmo que tudo o resto tenha falhado? O seu feito épico, do ‘homem que move montanhas’, eclipsa-se porque Caruso nunca irá à sua cidade. Portanto, o que sobra?
O filme ‘Fitzcarraldo’ parece ser como a sua personagem principal. Promete mover o mundo mas depois acaba como mais uma coisa banal. Obviamente, isto é a vida, e nessa constatação pode estar o seu segredo. Cinematograficamente perfeito, de uma velha escola que, devido aos efeitos especiais, nunca voltará, o filme de Herzog é um marco de fazer cinema puro e verdadeiro, real, nos locais, megalómano na sua concepção, épico no produto final, mas paradoxalmente simples na sua mensagem. A sensação de vazio que poderá deixar no fim prova que o filme é rico e cheio, porque só o que influencia ao ponto de afectar as emoções é que constitui o cinema que vale a pena ver. Este é o melhor filme de Herzog (que continua a fazer filmes e principalmente documentários) e talvez a melhor performance de Kinski.
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