Realizador: Kevin Lima
Actores principais (vozes): Bill Farmer, Jason Marsden, Jim Cummings
Duração: 78 min
Crítica: Neste momento gostava de pedir ao fiel leitor para conter o riso, para que possa ler a frase seguinte com calma. Para mim, o filme da Disney de 1995, ‘A Goofy Movie’, não só é uma obra-prima, como é um dos melhores filmes sobre a ligação entre um pai e um filho alguma vez feitos.
Em 1995, eu tinha 10 anos de idade, e tenho a distinta memória de ter desfrutado deste filme imenso. Suponho que pouco mais de um ano mais tarde os meus pais compraram o VHS, pois sei que vi este filme repetidas vezes, uma e outra vez, sempre com prazer. Infelizmente, devem-se ter passado mais de dez ou quinze anos sem que o tivesse revisto (foi a minha irmã que ficou com esse VHS dobrado em português), embora tivesse sempre, durante esse tempo, algures no meu cérebro, a distinta impressão de que o filme era bom, era muito bom. Tal como o clássico ‘The Snowman’ de 1982 este filme era uma das memórias mais queridas que tinha da minha visualização de cinema em criança, mas não sabia dizer porquê. Embora desejasse rever o filme, tinha medo de que, na idade adulta, o achasse enfadonho e infantil, e aquela memória mágica se perdesse para sempre.
"Em 1995, eu tinha 10 anos de idade, e tenho a distinta memória de ter desfrutado deste filme imenso."
Em Maio de 2010, aquando do lançamento das edições douradas em DVD dos clássicos da Disney, decidi arriscar e gastei 9 euros no filme. Após mais de dez anos sem o ver a minha expectativa era grande, mas o meu receio também. Felizmente, poucos minutos depois de ter carregado ‘play’ suspirei de alívio e comecei a sorrir. Foi um prazer voltar a rever o filme, e foi como se a magia nunca se tivesse afastado de mim. Pagaria o dobro ou o triplo para ter este filme na minha biblioteca.
Uma longa-metragem sobre o Pateta demorou a chegar, mas a espera valeu a pena. Em meados da década de 1990, e com a Disney a ter receitas consideráveis no cinema com a sua segunda idade de ouro, e no mercado dos VHS com spin-offs, sequelas e reposições do seu espólio televisivo das três décadas anteriores, praticamente todas as outras personagens da companhia já tinham tido o seu próprio filme. Talvez a razão para isto tenha sido o facto de a geração dos anos 1980 e dos anos 1990 ter pouco interesse numa personagem tão simples como o Pateta. Pela mesma razão, e pela mudança nos valores familiares e das crianças que estas duas décadas trouxeram, o filme do Pateta na realidade não pertence ao Pateta mas sim a Max, o seu filho. Mais importante, o filme surge como um spin off, ou uma sequela, da série do Disney Channel ‘Goof Troop’ que foi para o ar em 1992 e teve um relativo sucesso.
Uma pequena produção de apenas 75 minutos (secundaríssima quando comparada com os lançamentos em grande escala de ‘Lion King’, 1994, e ‘Pocahontas’, 1995, tão secundária que nem sequer faz parte da contagem oficial dos clássicos da Disney - pertence à subsidiária DisneyToons), este filme tem um conjunto muito restrito de cenas, mas capitaliza-as como ninguém, como só os grandes filmes conseguem fazer. Este filme tem uma estrutura magnificamente concisa e simples; cada cena faz sentido, não tem distracções irrelevantes e possui um balanço delicado e perfeito entre a clássica moral Disney, um momento engraçado e conteúdos suficientes para ao mesmo tempo dar profundidade às personagens e dar uma continuidade lógica à história. Esta estrutura do argumento é tão perfeita na sua forma contida que ouso sugerir que este filme deveria ser usado como exemplo em aulas de escrita de argumentos.
"Este filme tem uma estrutura magnificamente concisa e simples; cada cena faz sentido, não tem distracções irrelevantes e possui um balanço delicado e perfeito"
O filme abre na manhã do último dia de aulas de Max, antes das tão aguardadas férias de Verão. Para impressionar Roxanne, o seu primeiro amor, e para não ser visto como um ‘nerd’, Max tenta fazer uma demonstração dos seus talentos quando toda a escola está reunida no auditório para o discurso de encerramento do ano lectivo do director. Consegue impressionar a miúda mas não o director, que chama Pateta e pinta um cenário exageradamente negro do futuro do rapaz, algo que mais tarde é corroborado por Pete, um normal vilão da Disney que na série, e no filme, faz de uma espécie de amigo da onça de Pateta, e cujo filho, TJ, é o melhor amigo de Max. Para tentar salvar o filho de um suposto futuro como delinquente, o Pateta decide levar Max numa viagem de carro pai-filho pela América, arruinando assim os planos de Verão, e do amor de Verão, de Max. Procurando uma desculpa por ter que se ausentar durante dois meses, Max diz à rapariga, para a impressionar, e porque tem vergonha do seu pai, que vai a Los Angeles ao concerto do mais famoso ídolo da Pop, Powerline (obviamente inspirado em Michael Jackson), e que, para além do mais, vai tocar com ele em palco. O filme inicia então a sua parte de ‘road movie’, na qual pai e filho percorrem a América encontrando personagens engraçadas e envolvendo-se em variadas peripécias, ao mesmo tempo que Max tenta boicotar a viagem planeada pelo pai ao Lago Destino e arranjar uma maneira de se esquivar para LA. Obviamente, no decorrer das suas aventuras e desventuras, ambas as personagens vão crescer, e o que começa com um claro antagonismo nova vs. velha geração, acaba com o ganhar de um respeito mútuo e com a descoberta de um amor que sempre existiu, mas que estava esquecido. Grandes momentos do filme incluem a música da cena inicial, o encontro, no meio da floresta, como o Big Foot, a aparição estrondosa da autocaravana de Pete e claro, o concerto do Powerline (não há grande surpresa que acabam por chegar lá, mais cedo ou mais tarde).
Muito há a dizer sobre as músicas deste filme. As canções de Powerline são interpretadas pelo prodígio adolescente Tevin Campbell, que na altura tinha apenas 18 anos e para o qual se previa um grande futuro. A maneira espectacular como canta as músicas, numa voz muito ao estilo do rei da pop, faz uma pessoa perguntar-se o que terá acontecido a este jovem talento, e como foi possível perder-se no mundo da música. As duas músicas do seu repertório, ‘Stand Out’ e ‘I2I’ são muito mais que meros produtos pop dos anos 1990; são produtos pop dos anos 1990 com uma incrível qualidade, que é exacerbada pela capacidade vocal do jovem artista. A banda sonora, por outro lado, é assinada por Carter Burwell (o compositor habitual dos filmes dos irmãos Coen) que, mesmo sendo uma escolha pouco usual para a Disney, acaba por fazer um bom trabalho, embora mais nas três músicas ‘de continuidade’ que o filme apresenta, do que propriamente no ‘underscore’, que passa praticamente despercebido. ‘After Today’, a música de abertura do filme, é um grande hino adolescente ao estilo, ou em homenagem a, 'Grease' (aquele tipo de música com o qual os indivíduos do Glee apenas podem sonhar), enquanto ‘Nobody Else But You’, por si só, em apenas dois minutos, consegue fazer o público compreender como finalmente pai e filho se unem emocionalmente no clímax do filme, sem haver a necessidade de diálogos desnecessários ou cenas lamechas. A música faz o que deve fazer, transmite as emoções necessárias e conduz a história. Poucos musicais conseguem fazer isto tão bem.
"A música faz o que deve fazer, transmite as emoções necessárias e conduz a história. Poucos musicais conseguem fazer isto tão bem."
A música, tal como a boa animação dos primeiros planos, escondem algum cortar de cantos (como por exemplo na animação do ‘background’) o que só prova que esta é uma produção secundária da Disney com baixo orçamento. Mesmo assim, isto é facilmente esquecido, porque o filme nos cativa com o seu argumento conciso mas muito eficaz, as músicas que ficam no ouvido e um ritmo frenético de piadas e moral ‘Disney’. Embora ambicioso na busca desta moral para uma produção tão simples (pois não só balanceia a relação entre um pai e um filho, como também o ‘coming of age’, a passagem de criança para adolescente – ou até a semi-adulto – de Max), o filme consegue cumprir os objectivos emocionais a que se propôs, o que mais uma vez também é raro. Este filme da Disney diz aos jovens que podem conseguir ser ‘cools’ mesmo mantendo a sua identidade e mesmo mantendo a sua ligação à geração anterior. Pode-se conseguir um bocadinho de tudo, com honestidade, abertura, e capacidade de compreensão. E isto é dado sem qualquer diálogo lamechas e directo (que inevitavelmente seria oco), mas com uma sucessão de acontecimentos que criam um ambiente, uma ideia, que o espectador capta. Mesmo assim, infelizmente, creio que o filme terá, hoje em dia, perdido o seu público-alvo. Os valores e os paradigmas associados aos adolescentes de hoje em dia já são bem diferentes daqueles das gerações de 1980 e 1990, e eu creio que a simplicidade inerente ao filme já não será suficientemente mágica para aqueles que estão habituados a ver, literalmente, a magia a materializar-se na tela do cinema. Mas as crianças (menos de 12 anos talvez) ainda conseguirão descobrir a beleza deste filme, e adultos sensíveis às fantasias da Disney irão para sempre amá-lo, como eu o amo.
Directo mas com qualidade, emotivo mas não lamechas, engraçado mas sem ser em exagero e com um grande conjunto de canções, este filme é simplesmente espantoso. Reflecte na perfeição aquilo que para mim, e para muitos, significa a palavra ‘Disney’, pelo que eu considero uma pena grande que este filme não faça parte da lista dos ‘Clássicos’. O realizador estreante deste filme, Kevin Lima, seria promovido pouco depois a realizar grandes produções da Disney como ‘Tarzan’ (1999) ou ‘Enchanted’ (2007). Mas estas, mesmo fazendo parte dos ‘Clássicos’ (como 'Tarzan') não ficarão para sempre na memória de gerações e gerações como fica ‘A Goofy Movie’. Foram uns 9 euros extremamente bem gastos, pois espero revisitar este filme de poucos em poucos anos, com a minha família, e um dia apresentá-lo aos meus filhos e um dia talvez aos meus netos. Só um grande filme inspira estas sensações. Só um grande filme nunca nos deixa e aparece na nossa memória para nos marcar, uma e outra vez, em várias fases da vida. Quando era novo apreciei o filme do ponto de vista de Max. Agora aprecio o filme de um ponto de vista emocional e técnico. Mas estou seguro que um dia apreciarei o filme do ponto de vista do Pateta. Então o ciclo estará completo.
"Directo mas com qualidade, emotivo mas não lamechas, engraçado mas sem ser em exagero e com um grande conjunto de canções, este filme é simplesmente espantoso. Reflecte na perfeição aquilo que para mim, e para muitos, significa a palavra ‘Disney’"
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ResponderEliminarEu adorava este filme! Vi imensas vezes qd era miúdo :D
ResponderEliminarÉ TÃO FÓFINHO!!! :D
ResponderEliminarUm filme genial que vi também quando tinha 8/9 anos. Adorei o filme e revi imensas vezes. Mais tarde revi-o para ter a certeza se o filme era assim tão bom e para tirar da cabeça a ideia de que só tinha gostado porque era criança quando o vi pela 1º vez. Mas a verdade é que "Pateta, o Filme" é realmente muito bom, história muito bem conseguida, personagens incríveis, boa banda sonora, nada lamechas, grande mensagem e muitas coisas mais. Identifiquei-me bastante com esta crónica e fico feliz que haja pessoas que adoraram também este filme e que o põem num patamar tão alto, como dos melhores filmes da Dysney, para mim o melhor. Pena que não tenha ganho grande notoriedade a nível mundial o que é pena... Ainda tenho aqui a cassete VHS do filme, uma relíquia!
ResponderEliminarO que só ajuda a comprovar a minha teoria. Os bons filmes, aqueles que perduram, não são necessariamente os que ganham prémios e os que são promovidos pela comunicação social ou pelos estúdios. Os bons filmes são os que ficam no coração. E este é um desses filmes.
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