Realizador: Zack Snyder
Actores principais: Ben Affleck, Gal Gadot, Jason Momoa
Duração: 120 min
Crítica: Agora que começo a escrever esta crítica já se passaram cinco dias desde que vi ‘Justice League’ no cinema. Com todos os afazeres da vida profissional e pessoal sobra pouco tempo para o hobby de monologar sobre cinema nestas páginas, mas mal acabei de ver o filme percebi que podia deixar passar muito tempo antes de começar a escrever a crítica. Isto porque seria sempre uma crítica fácil (demasiado fácil) de escrever, já que o filme é totalmente indistinto. Não tem absolutamente nada que o distinga de uma outra dezena de filmes de super-heróis recentes em termos de trama, arcos das personagens, piadas ou acção. É um completamente esquecível “episódio semanal” do universo cinematográfico da DC Comics, um produto desinspirado mas inócuo, que não aquece nem arrefece, e que percorre todos os tramites expectáveis durante duas horas para terminar sem qualquer tipo de surpresa, excitação ou antecipação para o filme seguinte. É pura mecânica sem faísca.
Por um lado é um pouco surpreendente que este filme seja um produto de comercialismo superficial sem qualquer tipo de ambição dramática ou artística. Afinal, foi a própria Warner Brothers que elevou a fasquia do filme de super-heróis quando deu a Christopher Nolan a possibilidade de fazer a trilogia do Cavaleiro das Trevas (2005, 2008, 2012). Mas os que se lhe seguiram não perceberam muito bem o cunho de intensidade dramática e de profundidade psicológica que Nolan deu aos filmes do Batman. De repente criou-se a noção de que o filme de super-heróis moderno tinha de ser algo denso e pesado e escuro e intenso e apocalíptico para poder resultar. Não era porque tinha muitas destas coisas que a trilogia de Nolan resultava; era porque tinha qualidade argumental e fílmica. Mas isso é sempre mais difícil de obter do que pagar efeitos especiais.
"O filme é totalmente indistinto (...) É um completamente esquecível “episódio semanal” do universo cinematográfico da DC Comics, um produto desinspirado mas inócuo, que não aquece nem arrefece, e que percorre todos os tramites expectáveis durante duas horas para terminar sem qualquer tipo de surpresa, excitação ou antecipação para o filme seguinte. É pura mecânica sem faísca."
Se a Marvel conseguiu sempre aligeirar estes elementos ao apostar na espectacularidade dos efeitos especiais e das cenas de acção, em bandas sonoras animadas e numa grande química entre os actores liderados por Robert Downey Jr. (algo que tornou ‘The Avengers’, 2012, um dos filmes mais bem-sucedidos de sempre), a WB decidiu embrenhar-se cada vez mais no universo negro criado por Nolan para conceber a sua própria franchise de Liga da Justiça. Com Zack Snyder (o realizador de ‘300’, 2006, e ‘Watchman’, 2009) ao leme das produções, as histórias tornaram-se cada vez mais epicamente dramáticas e apocalípticas, e a fotografia cada vez mais pesada, sem que houvesse realmente substância argumental para o suster. Snyder pode ter um excelente olho como realizador, mas isso não torna automaticamente os filmes bons.
‘Man of Steel’ (2013), o regresso de Super-Homem ao grande ecrã, era um filme fraco, que pretendia encaixar à força um extraordinário visual num argumento pouco profundo e cheio de incongruências. E ‘Batman v Superman: Dawn of Justice’ (2016) era ainda pior. Chamei-o de “patético” na minha crítica, já que o argumento era miserável, não tinha profundidade nenhuma nem qualquer tipo de bagagem emocional, e o design de produção era denso e apocalíptico sem fazer a mínima ideia porque é que tinha que o ser. Infelizmente, neste mundo moderno, este tipo de blockbusters sem substância conseguem ser ainda sucessos de bilheteira. Mas era impossível aos críticos deixar passar o quão mau era ‘Batman v Superman’. Portanto, antes que o espectador começasse a concordar com os críticos, os senhores da WB / DC Comics perceberam (finalmente!) que era urgente mudar de direcção. E ‘Justice League’ é, claramente, o primeiro filme dessa mudança, para o bem ou para o mal.
Logo na cena de abertura notamos o quão diferente é o filme em termos de tom de ‘Man of Steel’ e ‘Batman v Superman’. Estamos de noite, mas é uma noite completamente diferente. Já não é negra, é apenas escura. Note-se o cenário atrás, muito mais estilizado, muito mais semelhante à BD e ao dos filmes de Tim Burton. Note-se a música, já não as notas guturais e anti-melódicas de Hans Zimmer, mas uma composição sinfónica de, precisamente, Danny Elfman. Note-se a própria indumentária de Batman, muito menos pesada que a de ‘Batman v Superman’ (era praticamente uma armadura!). E note-se a luta de Batman contra um pequeno ladrão e depois contra uns bicharocos extraterrestres (aqueles que ficaram pela Terra em ‘Batman v Superman’). Os seus movimentos oscilam entre o naturalista e o praticamente animado (leia-se por computador), como se estivéssemos num dos filmes de animação do Batman da década de 1990.
"Logo na cena de abertura notamos o quão diferente é o filme em termos de tom de ‘Man of Steel’ e ‘Batman v Superman’ (...) É uma vantagem porque se abandonou a oca ambição artística, mas é uma clara desvantagem porque, dentro das regras do blockbuster, o filme não encontra nenhuma margem de manobra para inovar (...) O modelo não só é tirado a papel químico, como é seguido à risca com extrema cautela."
Só por este enquadramento percebi logo que a abordagem iria ser completamente diferente. E é mesmo. O filme tem muitas mais cenas de dia (‘Batman v Superman’ quase não tinha nenhuma); já não há nenhuma daquela artificial intensidade dramática, especialmente do lado de Batman (e ainda bem, porque Ben Affleck não se dava nada bem com ela); e a história é uma linha recta: os maus invadem a Terra (outra vez!) e a Liga da Justiça impede-os. Yupi! Agora se tudo isto é uma vantagem porque se abandonou a oca ambição artística, é uma clara desvantagem porque, dentro das regras do blockbuster, o filme não encontra nenhuma margem de manobra para inovar. O medo de desafiar os críticos outra vez foi tanto que os produtores foram completamente para o extremo oposto. O filme é totalmente anónimo; podia ser exactamente igual com os Vingadores ou com os X-Men. O modelo não só é tirado a papel químico, como é seguido à risca com extrema cautela. O argumento simplista é muito bem explicadinho sem que nada seja realmente aprofundado, e as cenas de acção são confortavelmente claras, misturando efeitos especiais com os clássicos momentinhos de humor. E é isto. Siga para o próximo filme.
O argumento segue duas linhas que convergem. A primeira é a criação da própria Liga da Justiça. Este é talvez o Batman mais sem sabor da história do cinema (incluindo o de George Clooney!) porque se limita a ser uma figura passiva. Em ‘Batman v Superman’ lutava contra uns supostos demónios interiores que aqui estão completamente expurgados. Neste filme limita-se a lutar nas cenas de acção e a convencer os vários heróis a juntarem-se à Liga da Justiça, sem realmente lhes dar um argumento convincente para o fazerem. Até o facto de ser o único membro sem super-poderes (como diz, o seu super-poder é ser rico), lhe causa o mínimo de embaraço ou dúvidas emocionais. Ele está ali, em todas as cenas, mas é quase como se não estivesse. E Ben Affleck, com o seu ar “cheiinho” (desta vez a tentativa de ganhar músculo não resultou muito bem) parece cansado no papel. Estará?
Depois, o filme passa algum tempo a introduzir os restantes membros da Liga, com umas histórias de base pelas quais passa rapidamente e que (pior) não têm consequência nenhuma para a evolução futura de cada personagem, se é que alguma delas tem evolução. E, na boa regra dos blockbusters, cada uma representa um género. Comecemos por Arthur Curry, mais conhecido por Aquaman (Jason Momoa). Ele representa a testosterona e a coolness da acção, um ser possante que está ali para dizer uma palavra de meia em meia hora, mas que fica bem a surfar as ondas enquanto bate nos mauzões. É pena que a água não esteja de todo presente na batalha final. Isso não vai um bocado contra o espírito da sua personagem?
"Este é talvez o Batman mais sem sabor da história do cinema porque se limita a ser uma figura passiva. Em ‘Batman v Superman’ lutava contra uns supostos demónios interiores que aqui estão completamente expurgados. (...) Ele está ali, em todas as cenas, mas é quase como se não estivesse. E Ben Affleck, com o seu ar “cheiinho” (desta vez a tentativa de ganhar músculo não resultou muito bem) parece cansado no papel. Estará?"
Barry Allen, mais conhecido por Flash (o actor Ezra Miller que parece estar a imitar os trejeitos de Sheldon Cooper) é o escape cómico, um jovem inadaptado cujo pai está na prisão por um crime que supostamente não cometeu (mais um elemento forçado já que depois de o apresentar, o filme esquece-o até à última cena). De permeio Flash é usado para todas as piadas, seja pelo facto de ser o mais novo e olhar para os poderes e as gadgets dos outros com a avidez de um fã na Comicon; seja pelo facto de ser um solitário sem amigos que procura quase pateticamente nesta Liga a família que nunca teve; seja pelo facto de nunca ter visto batalha e portanto ter um mais que justificado (mas que o filme transforma sempre em humorístico) medo de lutar.
Victor Stone, mais conhecido por Cyborg (Ray Fisher) é a parte da modernidade e da tecnologia que estas extravagâncias recentes têm sempre de ter. Depois de um acidente nunca detalhado (porque claro, terá filme próprio em 2020) acaba por ser transformado num ser meio-homem, meio-máquina, já que o seu pai é um dos cientistas que lidera a equipa que está a investigar a nave de Krypton que caiu na Terra em ‘Man of Steel’. O filme tenta inicialmente explorar a dualidade do homem-máquina (o que o tornaria a personagem mais interessante) mas depois infelizmente esquece essa componente. Cyborg transforma-se simplesmente no tipo que consegue usar muito rapidamente a rede para descobrir tudo e mais alguma coisa. Geralmente, em inúmeros filmes e séries de televisão, este papel é desempenhado por um nerd sentado defronte de um computador na base. Aqui criaram todo um super-herói com estas características.
E por fim temos Diana, a Mulher Maravilha. Talvez por o seu filme próprio, lançado este Verão, ter sido o maior sucesso crítico da franchise da Liga da Justiça, ela ganha um enorme destaque e até acaba por liderar a equipa por insistência de Batman. Não acho Gal Gadot propriamente uma grande actriz (não é), mas tem presença, e essa presença ajuda-a muito na sua aura de super-heroína. O seu arco emocional é tão fraco como o das restantes personagens, mas pelo menos sentimos alguma credibilidade na fantasia da sua interpretação. Afinal, isto não é um drama. É um filme de super-heróis. E temos de nos sentir entusiasmados para torcer pelos super-heróis. Não iremos torcer por este Batman. Nunca. Mas por esta Mulher Maravilha provavelmente já sim. Esse é o maior elogio, creio, que lhe posso dar.
"Não acho Gal Gadot propriamente uma grande actriz (não é), mas tem presença, e essa presença ajuda-a muito na sua aura de super-heroína. O seu arco emocional é tão fraco como o das restantes personagens, mas pelo menos sentimos alguma credibilidade na fantasia da sua interpretação. (...) Não iremos torcer por este Batman. Nunca. Mas por esta Mulher Maravilha provavelmente já sim. Esse é o maior elogio, creio, que lhe posso dar."
Eu disse por fim? Não. Há ainda mais um cliente mistério. Não é surpresa para ninguém que viu a versão expandida de ‘Batman v Superman’, nem para quem começa a ver este filme (afinal, o nome de Henry Cavill é o primeiro do genérico!) que o Super-Homem irá regressar. A forma como o faz é mais uma longa curva retorcida que não leva a lado absolutamente nenhum, mas na qual o filme despende grande parte do seu tempo, energia e peso emocional (incluindo os regressos de Amy Adams e Diane Lane em papéis mal escritos). De novo, tudo muito superficial. Mais não digo para não estragar “a surpresa”.
E esta gente toda luta contra quem? Pois bem, numa manobra muito pouco original, o vilão quer exactamente o mesmo que querem todos os outros vilões dos últimos dez anos deste tipo de filmes. Ou seja quer destruir, ou conquistar destruindo, o Planeta Terra. Desta vez o feliz conquistador é um ser chamado Steppenwolf (a voz grave distorcida por computador de Ciarán Hinds é igual à de todos os outros vilões digitais de anos recentes…), cuja unidimensionalidade é notória. Quer conquistar porque é um conquistador. Fim de história. Para o tipo de filme que este é também não é preciso mais.
E como o irá fazer? Aqui também me ri um bom bocado, porque qualquer semelhança com ‘O Senhor dos Anéis’ é pura coincidência. Aparentemente há três caixas que contém “um enorme poder”, especialmente quando se juntam (não seriam sete anéis?!). Quando, numa era distante, Steppenwolf (não seria Sauron?!) tentou conquistar o reino das Amazonas, todas as espécies de homens uniram-se para o deter. Conseguiram e para se auto-protegerem, decidiram dividir as caixas pelos seus reinos: uma ficou com as Amazonas (Connie Nielsen repete o seu papel de ‘Wonder Woman’), uma ficou em Atlântida (o que nos permite ver algumas cenas sub-aquáticas) e uma foi enterrada na Terra.
"Claro que os nossos heróis vão ter que aprender a trabalhar em equipa para salvar o dia, mas o filme também não gasta muita saliva nisso. Há muitos efeitos especiais (...) mas uma notória falta de química entre todos os membros (...) e tudo ocorre muito rapidamente. (...) Tendo em conta a eternidade que durou a enfadonha batalha no filme anterior tenho um bocadinho de pena que tenham sido tão apressados aqui."
Assim sendo, agora que está de volta, Steppenwolf precisa de ir a cada um destes reinos para recuperar as suas caixas, de modo a que nada o detenha quando avançar com a conquista da Terra…. Muahahaha. As cenas de acção no reino das Amazonas e em Atlântida constituem relativamente interessantes variações visuais que enriquecem o filme, mas nunca encaixam bem nele, provavelmente porque os nossos heróis não estão presentes. Quando Diana e Aquaman sabem do massacre que ocorreu nas suas respectivas terras-natal continuam a fazer o que estavam a fazer antes: tentar deter Steppenwolf. Não o fazem com mais ou menos ardor por causa disso.
E é assim que chegamos ao último acto. Claro que os nossos heróis vão ter que aprender a trabalhar em equipa para salvar o dia, mas o filme também não gasta muita saliva nisso. Há uma notória falta de química entre todos os membros, e tirando um discurso semi-humorístico, semi-dramático de Aquaman não há realmente uma ponderação sobre aquilo que estão prestes a fazer. E nem sequer há aquela discussão interna ‘vai-cada-membro-da-equipa-para-seu-lado’, típica deste tipo de filmes, antes de aprenderem a confiar uns nos outros. Tudo ocorre muito rapidamente, primeiro num pequeno confronto em Gotham e depois na suposta grande batalha final algures perto de uma central nuclear abandonada na Rússia. Há muitos efeitos especiais e cada membro da equipa faz o seu pequeno papel com mais estilo do que aquele que demonstrou durante todo o filme (a Mulher Maravilha a excepção). Mas é uma enorme surpresa para o espectador descobrir o quão depressa os heróis conseguem deter esta ameaça extra-terrestre. Pum pum… estás morto. Siga para o filme seguinte. Tendo em conta a eternidade que durou a enfadonha batalha entre o Batman e o Super-Homem no filme anterior tenho um bocadinho de pena que tenham sido tão apressados aqui.
Quem acompanha as notícias de cinema sabe que Snyder, devido ao trágico suicídio do seu filho, não levou a produção até ao fim. Foi Joss Whedon (o realizador de ‘The Avengers’) que terminou o filme. Mas isto só de si não é suficiente para explicar a abrupta mudança de tom e a displicência rotineira que este filme demonstra. É mais do que óbvio que houve uma decisão produtiva de tornar o filme uma Chapa 5; não tão ambicioso como os anteriores para não ser de novo carne p’ra canhão para os críticos, e muito mais acessível e digerível para o público mundial. Por isso não há muito mais a escrever do que aquilo que já escrevi. O filme é um enorme corrido de lugares comuns em termos de realização, argumento, arcos das personagens e à partes cómicos. Mas não é arrogante como os anteriores, e portanto evita ser ofensivo para o espectador que apenas deseja desfrutar de entretenimento acéfalo.
"É preciso admitir que este foi o filme da Liga da Justiça que mais desfrutei (...) simplesmente porque sabe o seu lugar e se limita a entreter, sem ambição, sem preciosismos desnecessários. É pura e simplesmente um banalmente aceitável filme de sábado à tarde. (...) Ajudou a passar o tempo. E é tudo (... ) Não é cinema. É um rotineiro show televisivo. E sempre irá ser."
Assim sendo, é preciso admitir que este foi o filme da Liga da Justiça que mais desfrutei (note-se que não vi ainda ‘Wonder Woman’). É muito melhor que ‘Man of Steel’ e infinitas vezes melhor que ‘Batman v Superman’ simplesmente porque sabe o seu lugar e se limita a entreter, sem ambição, sem preciosismos desnecessários. É pura e simplesmente um banalmente aceitável filme de sábado à tarde. Não obriga a qualquer tipo de pensamento. E o olho vai sendo entretido. A atmosfera pesada dos filmes anteriores dá aqui lugar a um tom muito mais divertido, ou pelo menos mais presenteiro, e mal começa, o filme chega ao fim sem que o espectador realmente se recorde do que é que aconteceu pelo meio. Ajudou a passar o tempo. E é tudo.
Para a semana (como quem diz daqui a seis meses) teremos outro “episódio”. Mais uma vez é de lamentar que o cinema “das massas” tenha convergido para este modelo totalmente descartável, mas se é para se lançarem dez filmes de super-heróis por ano todos iguais entre si, ao menos que sigam este modelo e não o de ‘Batman v Superman’. Esse filme nunca mais quero ver na vida. Já ‘Justice League’ pode ser que me ajude a adormecer num dia qualquer em que esteja enterrado no sofá depois de um longo dia de trabalho. Não é cinema. É um rotineiro show televisivo. E sempre irá ser.
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