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Judge Hardy's Children

Ano: 1938

Realizador: George B. Seitz

Actores principais: Mickey Rooney, Lewis Stone, Fay Holden

Duração: 78 min

Crítica: ‘Judge Hardy’s Children’ (em português ‘Os Filhos do Juiz Hardy’) é o terceiro filme daquela que ficaria para sempre conhecida como a saga de Andy Hardy, uma das, como lhe chamei na minha crónica introdutória, maiores mas mais esquecidas sagas da história do cinema. Aqui em EU SOU CINEMA decidi fazer uma viagem nostálgica e sentida pelos dezasseis filmes desta saga; a saga que fez do pequeno Mickey Rooney o mais popular actor a nível mundial no final da década de 1930, a saga que se tornou, pela força dos seus sinceros e puros valores, um dos mais bem-amados tesouros de sempre do entretenimento familiar americano. 

O primeiro filme da saga, ‘A Family Affair’ foi lançado em Março de 1937 e foi um inesperado sucesso. Na minha crónica, em que debato a génese da saga e introduzo toda a família, reconheci que ‘A Family Affair’ não é um grande filme, ou melhor, não é uma daquelas obras-primas inolvidáveis do cinema. Mas porque é leve e simpático, porque tem um argumento simples mas eficaz, e porque é rico em escapes de humor tranquilos e sorridentes, assentes em valores honestos e verdadeiros que passam muito naturalmente para o espectador sem condescendência, é uma pérola nostálgica enternecedora. Como escrevi “É um filme que sacia plenamente porque tem o pouco que é preciso. É um filme que se torna o perfeito complemento de entretenimento numa tarde em família. É um filme que toda a família pode ver, gostar e, pela sua anónima universalidade, rever como se fosse pela primeira vez.

"Este terceiro filme já não é tão inspirado. De facto, é o primeiro filme da saga a mostrar claros sinais de cansaço e monotonia, demonstrando inequivocamente que a fórmula inicial já estava mais do que batida e que era urgente conceber, em filmes posteriores, novas ramificações, quer para as personagens, quer para as suas aventuras."

O sucesso foi tanto que a MGM iniciou a produção em massa das sequelas; uma verdadeira saga ao estilo televisivo mais de uma década antes da televisão surgir. Assim sendo, o segundo filme ‘You’re Only Young Once’ apareceu no Natal desse mesmo ano. Como escrevi: “apesar de ser uma cópia algo desinspirada do primeiro filme, é no entanto um filme que nos seduz com a sua leveza e que nos vai divertindo ao longo dos seus parcos 80 minutos de duração (...) E, de facto, apesar da abordagem não ser fresca, nem os arcos das personagens serem 100% credíveis (...) as proverbiais morais familiares resultam bem. É esta a grande constatação: resultam bem”.

E é no final deste filme que o Juiz Hardy (Lewis Stone) se dirige directamente para a câmara e anuncia que “a MGM tem em preparação mais revelações dos amores, das esperanças, dos medos de Marion, de Andy, da Tia Milly, da Mãe e já agora de mim próprio”. Não foi portanto preciso esperar muito pelo filme número três, ‘Judge Hardy's Children’, lançado em Março de 1938, precisamente um ano após o primeiro, mais uma vez pela mão do realizador George B. Seitz (realizou treze dos dezasseis filmes da saga).

Mas tal como já constatei na minha crítica a ‘You’re Only Young Once’, não se pode dizer que a engrenagem da saga da família Hardy tenha ficado perfeitamente oleada à cabeça. A saga é incrivelmente memorável principalmente como um todo e sustém-se graças a incríveis pormenores, a uma enorme capacidade de identificação, à força crescente de Mickey Rooney como actor e ao brilhantismo de alguns dos filmes posteriores. Não, note-se, pela qualidade individual das primeiras sequelas, mais esquecíveis porque seguem demasiado perto um modelo a papel químico que não estava ainda suficientemente limado e não tinha as suas prioridades bem definidas, quer em termos de objectivos/morais a perseguir, quer em termos de enfoque nas personagens. E isto é mais do que premente em ‘Judge Hardy's Children’. Se o segundo filme era uma cópia desinspirada de ‘A Family Affair’ mas que conseguia ser inventiva o suficiente para resultar, este terceiro filme já não é tão inspirado. De facto, é o primeiro filme da saga a mostrar claros sinais de cansaço e monotonia, demonstrando inequivocamente que a fórmula inicial já estava mais do que batida e que era urgente conceber, em filmes posteriores, novas ramificações, quer para as personagens, quer para as suas aventuras.

"‘Judge Hardy's Children’ é, sem sombra de dúvidas, um dos piores filmes da saga Andy Hardy (...) É somente um remake do que está para trás, com exactamente as mesmas personagens secundárias (embora sejam diferentes em nome), o mesmo tipo de tramas, e as mesmas morais, dadas exactamente da mesma forma. Ou melhor, não são exactamente as mesmas; são piores, visto que têm a fraqueza inerente à cópia e à (já enfadonha) repetição"

Desta forma, ‘Judge Hardy's Children’ é, sem sombra de dúvidas, um dos piores filmes da saga Andy Hardy. Poderá não o ser se visto isoladamente, mas após se ter visto os dois primeiros, este filme não trás absolutamente nada de novo. É somente um remake do que está para trás, com exactamente as mesmas personagens secundárias (embora sejam diferentes em nome), o mesmo tipo de tramas, e as mesmas morais, dadas exactamente da mesma forma. Ou melhor, não são exactamente as mesmas; são piores, visto que têm a fraqueza inerente à cópia e à (já enfadonha) repetição. 

Primeiro assistimos à clássica cena inicial no tribunal, onde desta vez o Juiz tenta resolver, com a sua habitual clarividência, um problema com os miúdos da cidade com o qual, sem o saber, Andy está relacionado. Depois desfrutamos com prazer de um bocadinho do próprio Andy (ou devo dizer de Mickey Rooney) e do seu mais recente problema com Polly (a cativante Ann Rutherford). Ela quer que ele a leve para um baile da escola com traje formal, algo que ele não possui, o que o obriga a ganhar coragem para pedir ao pai o dinheiro para o comprar. Já Marion (Cecilia Parker), tal como nos filmes anteriores, continua insegura em relação ao seu namorado e vai adiando aceitar casar com ele.

Mas todos estes “problemas” são postos em suspenso quando o Juiz, graças à fama arrecadada com o caso do Aqueduto (ver dois primeiros filmes) é convidado para fazer parte de um comité especial em Washington que está a deliberar sobre um caso de potencial monopólio de uma empresa de serviços públicos. Assim, a família muda-se toda para a capital durante uma semana, com todas as despesas pagas, e logo são sufocados pela vida luxuosa da alta sociedade e da suposta alta cultura. 

"O que é menos estimulante é que esta viagem funciona exactamente da mesma forma que a ida a Catalina no filme anterior, e portanto todas as personagens vão percorrer um arco extremamente semelhante."

O que é menos estimulante é que esta viagem funciona exactamente da mesma forma que a ida a Catalina no filme anterior, e portanto todas as personagens vão percorrer um arco extremamente semelhante. A mãe (Fay Holden) e a Tia Milly (por qualquer motivo somente neste e no próximo filme Sara Haden foi substituída pela actriz Betty Ross Clarke) passam o dia na suite do hotel (como haviam passado o dia na casa de férias em Catalina) e aparentemente nunca saem, nunca visitam nada e nem sequer fazem a lida da casa, porque não há lida para fazer num hotel! Coitadas! Já Marion vai deixar-se seduzir de novo por uma visão idílica da realidade. No segundo filme era um romance de Verão com um homem casado que ela acreditava que ia deixar tudo por ela. Aqui é a vida oca do glamour, representada por um conjunto de falsos novos amigos da capital que a tomam sob a sua alçada e lhe ensinam o que é viver em alta-sociedade, mas que na realidade só a estão a usar para saber informações sobre as reuniões da Comissão onde o Juiz está. 

Por seu lado, Andy pura e simplesmente tem mais uma nova paixoneta, não por uma herdeira rica como no filme anterior, mas quase; pela filha de um diplomata francês, o que o obriga a tentar ostentar uma classe que não tem. E o Juiz divide o seu tempo entre a Comissão, um pouco de turismo (para absorver a cultura da Capital e as morais dos antepassados americanos), e a resolução dos seus problemas, através das lições que incute aos filhos a partir dessa mesma cultura e dessas mesmas morais. As coisas só se complicam ligeiramente (o “drama” deste filme) quando os falsos amigos da filha usam a informação que ela inconscientemente lhes deu para tentar chantagear o Juiz de forma a que ele delibere em favor do monopólio. Tal como no primeiro filme o Juiz fica com um problema moral em mãos. Por um lado quer limpar o seu nome e o da filha e evitar o escândalo. Por outro tem de ser fiel aos seus princípios e deliberar com justiça.

Mas isto não seria um filme de Andy Hardy se não houvesse uma maneira fácil para a resolução de todas estas tramas, embora neste caso seja demasiado fácil. A maneira quase estupidamente simples como o Juiz finalmente consegue dar a volta ao complô e à corrupção que o rodeiam é uma pálida imagem dos até relativamente tensos twists finais dos dois filmes anteriores. E pelo caminho, quer Marion quer Andy vão aprender a valorizar o que têm, e vão reconhecer que mais vale ser honesto e feliz, mesmo que com poucos recursos na boa e velha cidade de Carvel, do que viver empertigadamente uma vida de fachada na alta sociedade. Nada que supostamente não aprenderam no filme anterior. E nada que não vão esquecer rapidamente para aprender de novo no filme seguinte. O filme transmite valores nobres, certamente, mas são inevitavelmente gastos à terceira vez. Só o passeio pai-filho pelos monumentos de Washington, em que o Juiz discursa sobre os valores da democracia e da liberdade, merece destaque, não tanto pela forma como ajuda Andy a resolver os seus pequenos problemas, mas pela sua clara mensagem patriótica nas vésperas da Segunda Guerra Mundial. 

"Temos de nos voltar para o incrível Mickey Rooney, para encontrar a energia e o interesse que sustêm esta sequela. É através dele, e só dele, que o filme tem piada, ritmo e magia. (...) Rooney electriza o ecrã com a sua linguagem corporal e o seu incrível timing cómico. As suas expressões são totalmente impagáveis (...) e a sua energia e boa disposição são contagiantes. E, como bónus, é através dele que o filme encontra a sua melhor moral familiar e de crescimento." 

Salvo isto, temos então que nos voltar para Andy, temos de nos voltar para o incrível Mickey Rooney, para encontrar a energia e o interesse que sustêm esta sequela. É através dele, e só dele, que o filme tem piada, ritmo e magia. No início quando tenta gerir Polly, em Washington quando anda como peixe fora de água, quando pouco depois decide finalmente mandar a etiqueta oca para as urtigas e começa a dançar o ‘Big Apple’ num baile da alta sociedade (o que o faz perder o afecto da francesinha) e quando regressa todo contente para Carvel e Polly, Mickey Rooney electriza o ecrã com a sua linguagem corporal e o seu incrível timing cómico. As suas expressões são totalmente impagáveis, as suas tentativas de falar francês são hilariantes, e a sua energia e boa disposição são contagiantes. E, como bónus, é através dele que o filme encontra a sua melhor moral familiar e de crescimento. 

O filme pode chamar-se ‘Os Filhos do Juiz Hardy’, mas não é por acaso que pela primeira vez na saga as tramas secundárias de Andy têm muito mais destaque que as de Marion. Nem é por acaso que é com Andy que o Juiz passeia por Washington, discursando. Nem tão pouco é por acaso que é numa conversa com Andy que o Juiz tem a ideia que lhe permite resolver o caso de corrupção. Se a fórmula da saga estava a dar as últimas e dificilmente se susteria por mais filmes, é graças a Mickey que a saga sobreviveu. O quarto filme, lançado uns míseros quatro meses depois, já ostentaria, pela primeira vez, o nome da sua personagem: ‘Love Finds Andy Hardy’ (1938). E de repente, a saga tornar-se-ia imortal.

"Quando tudo o resto já foi visto e revisto, sobra Rooney, sobra a oportunidade de o revermos (...) E por isso perdoamos que o filme seja extremamente desinteressante para quem seguiu a saga desde o início, independentemente de possuir o selo de qualidade da Hollywood clássica (...). Mickey Rooney entra. E isso sempre será motivo de interesse, será sempre motivo de intensa alegria."

Portanto, em retrospectiva, de ‘Judge Hardy's Children’, quando tudo o resto já foi visto e revisto, sobra isso, sobra Rooney, sobra a oportunidade de o revermos (e cada oportunidade é uma bênção, independentemente da qualidade do filme). E por isso perdoamos que o filme seja de novo um batido remake mascarado de sequela. Perdoamos que o filme não tenha nada de novo. Perdoamos que o filme seja extremamente desinteressante para quem seguiu a saga desde o início, independentemente de possuir o selo de qualidade da Hollywood clássica (boas actuações, bons diálogos, ritmo bem temperado, imaculada técnica). Mickey Rooney entra. Andy Hardy entra. E isso sempre será motivo de interesse, será sempre motivo de intensa alegria. Afinal, foi ele que tornou a saga um sucesso, conduzindo-a deste filme em diante. Afinal, é por ele que continuamos a ver estes filmes, setenta anos depois. Afinal, é com ele que teremos sempre uma intensa cumplicidade; ele eternamente jovem no ecrã e nós a tentar acompanhá-lo, do outro lado.


2 comentários:

Porque todos somos cinema, está na altura de dizer o que vos vai na gana (mas com jeitinho).

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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