9

Ano: 2009

Realizador: Shane Acker

Actores principais (voz): Elijah Wood, Jennifer Connelly, Crispin Glover

Duração: 79 min

Crítica: Eu vi o filme de animação ‘9’ (não confundir com o musical ‘Nine’ do mesmo ano, também já criticado em Eu Sou Cinema) uma única vez aquando do seu lançamento e, muito sinceramente, já me chegou. Na altura resumi a experiência da seguinte forma (esta crítica é baseada nas minhas notas alargadas da altura, rabiscadas no caderninho da praxe): “notas máximas pela qualidade da animação, notas medianas pela qualidade do entretenimento, notas péssimas pelo argumento”.

Quando ‘9’ surgiu no final de 2009 (na América foi lançado a 9/9/2009) foi promovido com o extremamente enganador epíteto de: ‘dos criadores de ‘The Nightmare Before Christmas – O Estranho Mundo de Jack’. Acho sempre piada quando se fazem estas ligações rebuscadas nos trailers, por isso quando cheiram a esturro vou investigar. Esta ocorre por causa da figura comum de Tim Burton que, ao contrário do que muitos supuseram (e que ainda continuam a supor em alguns casos) não realizou nenhum dos filmes. Em ‘The Nightmare Before Christmas’ Burton concebeu o universo, escreveu a história, produziu o filme mas não o realizou (este trabalho excruciante da realização stop motion foi feito pelo guru do género Henry Selick). Já em ‘9’ Burton detém o crédito pachorrento de co-produtor, e visto que os dois filmes são feitos por estúdios completamente diferentes esta história “dos criadores de” faz tanto sentido como dizer que o ‘Into the Wild’ é dos criadores de ‘Os Vingadores’ só porque o Sean Penn já andou enrolado com a Scarlett Johansson….

Na realidade, ‘9’ é o produto da imaginação de Shane Acker. Acker trabalhou nos icónicos estúdios Weta na Nova Zelândia na criação dos efeitos especiais de ‘Lord of the Rings - Return of the King’ (2003) quando ainda estudava animação na universidade americana UCLA. Como projecto final de curso, Acker concebeu uma curta-metragem chamada ‘9’, de cerca de 10 minutos, que o catapultou para o mundo profissional já que venceu alguns prémios e foi até nomeada para o Óscar de Melhor Curta Metragem de Animação (não ganhou). Reza a lenda que Tim Burton e Timur Bekmambetov viram a curta e decidiram dar-lhe as possibilidades financeiras para a expandir para uma longa-metragem, no seio da Focus Features. Agora, com todo o respeito ao sr. Burton, eu creio que isto não foi propriamente uma boa ideia.

A curta-metragem ‘9’ (que o leitor pode ver facilmente no youtube) merece ser destacada, porque para projecto estudantil está muito bem conseguida; um pedaço de fantasia gótica com uma animação de imensa qualidade e uma história contendo uma aventura simples mas interessante. Passada em ambientes Burton-escos, outro motivo de interesse é a curta não ter uma única linha de diálogo, portanto enche as medidas da imaginação do espectador e está aberta a várias interpretações. Já o filme não faz grande sentido, principalmente porque tem exactamente a mesma história da curta (exactamente!), mas com três grandes diferenças. Primeiro elimina toda a ambiguidade da curta-metragem ao inserir uma história de contextualização que é bastante fraca, e que explica o que não deveria ser explicado. Segundo porque para o fazer tem de recorrer a diálogos, que são extremamente mal escritos. E terceiro estica uma história que como se viu conseguiu perfeitamente ser contada em 10 minutos para 75. Mas 75 minutos torna-se demasiado longo para uma história que basicamente se torna uma repetição de si própria. A juntar ao péssimo argumento, passado um bocado o filme fica simplesmente enfadonho. 

Basicamente podemos dizer que a história de ‘9’, tal como concebida para o filme, consiste numa versão de ‘Terminator’ para crianças. Os homens criaram as máquinas. As máquinas ganharam inteligência artificial e decidiram virar-se contra os homens. Houve uma guerra, a humanidade foi dizimada e o Mundo como o conhecemos foi destruído. Agora as máquinas governam o planeta. Até aqui (praticamente) nada de novo, num arco que é revelado aos poucos durante o filme como se fosse uma grande surpresa, mas que, como já se viu, não é assim muito. A única novidade, o input original de Acker à história batida do futuro pós apocalíptico, é que antes de um famoso cientista ter perecido, criou nove pequenos bonecos de trapos a quem deu vida ao imbuir cada um deles com uma alma representando cada uma das nove parcelas da essência da humanidade, numa forma de garantir que esta pudesse sobreviver… Humm. Na curta víamos os bonecos e a sua ‘luz interior’, sem explicações. Explicado assim, enfim… talvez as crianças achem piada.

O filme abre com o despertar de um destes bonecos, 9, com a voz de Elijah Wood (a conexão ‘Senhor dos Anéis’ certamente…). Sem saber quem é ou onde está, 9 percorre os destroços deste mundo pós apocalíptico, de um modo que, para o espectador de 2009, fez imediatamente recordar a sequência inicial de ‘Wall-E’, do ano anterior. Lentamente, 9 vai encontrando os restantes oito bonecos de trapos, e vai reconstituindo a história da humanidade ao mesmo tempo que terá de encontrar o seu papel e o seu destino. No seu percurso, os bonecos cometem o erro de libertar uma máquina maléfica que só descansará quando lhes sugar todas as almas. Quando um dos bonecos é capturado pela máquina, 9, o nosso herói de serviço, inspira os restantes a resgatá-lo com frases de extrema lamechice como “Vamos, temos que o salvar, temos de continuar, ele faria o mesmo por nós”. Faria? Gostava de saber como 9 sabe isso visto que falou com o boneco capturado apenas um par de minutos anteriormente. Este tipo de clarividência das personagens sobre eventos que nunca são bem explicados (pelo menos a elas) e este tipo de frases lamechas são recorrentes num filme que, ao esticar, paradoxalmente reduz o fascínio e a ambiguidade da curta-metragem a inúmeras cenas de ‘accçãozinha’, enquanto fogem das máquinas maléficas, e de ‘moralzinha’ enquanto juntam as peças do puzzle da história.

E desta forma o filme chega à sua cena climática, com os nove bonequinhos todos juntos, de uma forma ou de outra, e que praticamente replica plano a plano o final da curta-metragem em que se baseia. Não vou revelar o final nesta crítica mas deixem-me dizer secamente que, tendo em conta o contexto que o filme estabeleceu, é péssimo e não faz sentido. Não faz sentido nenhum. A sério, se isto é que é um final inspirador então, no meu humilde ponto de vista, a humanidade está perdida. Mesmo! A sorte das crianças é que provavelmente se ficarão pela superfície (como Acker ficou) e não vão pensar nas ramificações daquilo que realmente o filme nos diz no final, com um sorriso de supostamente ‘tudo esta bem quando acaba bem’. Mas não está! Não com este final pelo menos…

Contudo, não posso deixar de salientar que há coisas que se aproveitam neste filme. Primeiro, como já disse, a animação é fantástica, com um enorme cuidado e uma enorme qualidade no detalhe, provando realmente que Acker era na altura uma figura em ascensão no mundo da animação – algo ao qual nunca fez jus – independentemente da qualidade argumental do seu filme. E segundo, se visto na versão original, o filme ostenta um conjunto enorme de vozes talentosas tais como Christopher Plummer (como 1), Martin Landau (2), Jennifer Connelly (7) ou John C. Reilly (7). Ouvir as suas qualidades vocais e saborear a fantástica animação ajuda certamente a distrair da pobre história, mas infelizmente não é suficiente.

Podemos argumentar que este é um filme feito para a mente de uma criança, e portanto tem uma simplicidade inerente e uma moral básica, tornado ainda mais simples para compensar o enquadramento supostamente mais sombrio da história. Talvez. Mas eu tenho a teoria de que todos os grandes filmes para crianças têm também de cativar os adultos, ou pelo menos alguns deles, porque beleza simples e inocência não significa necessariamente ingenuidade e falta de profundidade. Não é por acaso que a ‘Branca de Neve e os Sete Anões’ é uma obra-prima intemporal para todas as idades, mesmo sendo ostensivamente um filme para crianças, certo?! E porquê?! Porque tem mais, muito mais, do que bonecos apelativos e uma moral superficial. Já ‘9’, o filme, não tem. Perdeu tudo no seu salto de curta para longa metragem. Pode chegar a entreter com a sua animação e algumas cenas mais movimentadas, mas porque decidiu fazer a papa toda ao espectador (e fazê-la mal) para adultos pensantes deixa muito, mas mesmo muito a desejar, por isso devemos também questionar até que ponto será apelativo ou estimulante para as nossas crianças. Se tivesse apenas 40 minutos, diálogos mais bem trabalhados e um final bem diferente poderia estar a escrever uma crítica diametralmente oposta. Assim sendo o filme é apenas enfadonho pela repetição esticada da sua história e estimula muito pouco a nossa imaginação, oferecendo quase nada de novo e uma moral batida que o filme nem nota que acaba por não fazer grande sentido.

Para terminar gostaria de chamar a atenção para o facto de Acker nunca mais ter realizado, até hoje, um filme. Será pela fraca qualidade de ‘9’? Será por ter percebido que era muito melhor técnico de animação do que argumentista? Podemos especular que sim, já que a sua carreira subsequente inclui vários créditos como coordenador de efeitos especiais (concretamente de pre-vis) em filmes que em geral apresentaram bons efeitos (‘Total Recall’, 2012; ‘Oz the Great and Powerful’, 2013; ’47 Ronin’, 2013), mas nenhum crédito de argumentista ou realizador. Se Acker deixar ‘9’ como o seu único legado à sétima arte, não será certamente uma grande coisa, mas pelo menos permitiu que nascesse aqui um nome a ter em atenção na vertente da animação digital e dos efeitos visuais. Menos mal, porque quando ‘9’ for completamente esquecido (se é que já não o foi… quantas vezes passou na TV, quando foi a última vez que o leitor viu o DVD à venda?!) Acker provavelmente ainda estará no seu estúdio a criar efeitos visuais para grandes blockbusters de outros realizadores. Por mim tudo bem.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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