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The Pilgrim

Ano: 1923

Realizador: Charles Chaplin

Actores principais: Edna Purviance, Charles Chaplin, Syd Chaplin

Duração: 40 min

Crítica: (Esta é a décima, e última crítica de um ciclo sobre as 10 curtas-metragens que Charles Chaplin realizou durante o seu período com a distribuidora First National (1918-1923). Pode ler a introdução a este ciclo na minha crónica “Chaplin na First National (1918-1923) - Introdução para um ciclo de críticas” (link aqui), bem como ter acesso aos links para as restantes críticas)

E então, finalmente, após cinco longos e extenuantes anos de contrato, Chaplin entregou a última das oito curtas-metragens que havia contratualizado com a First National. Com ‘The Pilgrim’, Chaplin atinge também o final de uma era; a da sua carreira como actor/realizador/argumentista de curtas-metragens. Nos nove anos entre 1914, ano em que foi contratado por Mack Sennett para o estúdio Keystone, e 1923, ano em que lançou ‘The Pilgrim’, Chaplin passou por quatro estúdios (Keystone, Essanay, Mutual, First National) onde protagonizou 70 curtas-metragens (55 das quais realizadas por si) e um único filme (se excluirmos a curta expandida ‘The Kid’): ‘Tillie’s Punctured Romance’ (já criticado em Eu Sou Cinema).

Chaplin estava cansado, sedento de independência e de liberdade, não tanto criativa nem financeira (pois essas já as tinha), mas temporal. A partir daqui, Chaplin seria o seu próprio senhor, e trabalharia em exclusivo para a sua United Artists fazendo obra-prima atrás de obra-prima (‘Gold Rush’, 1925; ‘City Lights’, 1931; ‘Modern Times’, 1936, e aí por diante) em intervalos cada vez mais espaçados. Ao mesmo tempo, por 1923 já os grandes cómicos do mudo estavam a abandonar o formato curto e a abraçar as longas-metragens (Lloyd, Keaton), e será de supor que Chaplin estava igualmente cansado da fórmula curta que continuamente já estava a desafiar (mais notavelmente em ‘The Kid’).

Por todos estes motivos, é interessantíssimo observar as opções de Chaplin para a sua última curta-metragem de sempre, feita em tom de despedida. E é tão mais interessante o quão mais o produto é, digamos, diferente, do que estaríamos habituados, pelo menos inicialmente. Auto-homenagens ao seu espólio já Chaplin tinha feito (‘The Idle Class’, ‘Pay Day’). Aqui, ao invés, Chaplin de certa forma se re-imagina, com uma contida ousadia experimental. Aliás, em ‘The Pilgrim’ nem sequer é o Vagabundo per se, embora, como não podia deixar de ser, é-o em essência. Quando o vemos pela primeira vez, é num poster de ‘procurado por fuga de prisão’ (nunca saberemos qual foi o crime que levou ao seu encarceramento, embora seja provável que tenha sido vagabundagem). Logo a seguir, um homem sai de um rio e descobre que as suas roupas, que havia deixado num arbusto, foram roubadas e substituídas por um uniforme prisional. E eis então que finalmente vemos Chaplin, em carne e osso, vestido nada mais nada menos com a indumentária de um padre – o peregrino – um traje atípico mas que manterá até ao final do filme!

A curta alimenta-se primeiro da fuga aos polícias (uma mini perseguição cómica bem ao seu estilo e que Chaplin já havia usado em ‘The Adventurer’, 1917, outra curta em que fazia de prisioneiro em fuga) e depois de um inevitável mal-entendido quando Chaplin é confundido com o novo padre que era aguardado por uma pequena terriola ali perto. Isto dá azo a algumas grandes piadas. A minha preferida? Chaplin a tentar dar a missa. Hilariante. Mais hilariante quando descobre que existe a parte de colecta. É o velho Vagabundo, sempre à cata de uma boa oportunidade para fazer uns trocos.

Contudo, depois deste primeiro acto, o filme não sabe bem como prosseguir. Já havia acontecido o mesmo em ‘Sunnyside’; depois de explorar, fantástica e hilariantemente o novo meio rural, a criatividade de Chaplin abrandou e teve de recorrer a uma mais batida sequência romântico-cómica em casa de Edna para poder avançar. Aqui, curiosamente ou não, passa-se exactamente a mesma coisa. Na primeira parte Chaplin diverte-se (e diverte-nos) a explorar a sua nova condição de prisioneiro em fuga e de padre disfarçado. Mas depois, para prosseguir, Chaplin volta de novo a casa de Edna, desta vez uma jovem bela paroquiana que capta o seu olho. Sentimos que esta set piece que constitui o segundo acto de ‘The Pilgrim’ podia encaixar em qualquer outra curta de Chaplin (podia ser a segunda parte de ‘Sunnyside’), mas mesmo assim continua a encantar-nos com a sua comédia, embora, verdade seja dita, não tanto como a primeira parte, o que é uma pena. Destaca-se contudo a clássica criança chata, um chapéu que vai parar ao recheio de um bolo e que Chaplin tenta comer (de certa forma faz lembrar a cena posterior das moedas em ‘The Great Dictator’, 1940) e por fim, a parte mais intensa da curta, um roubo, do qual Chaplin, agora desmascarado, será injustamente acusado.

‘The Pilgrim’ marca a última vez em que vemos no grande ecrã o Chaplin da velha guarda. Chaplin já podia estar a pensar na sua independência (que se materializaria dois anos depois com a estreia da obra-prima ‘The Gold Rush’, 1925) e pode não ter sentido a disposição para gastar energia em ser artístico ou pungente, nem para gastar tempo a refinar obcessivamente a sua comédia, quando tudo (ou quase tudo) o que lhe interessava era entregar a última curta-metragem que terminaria o seu contrato com a First National. Mas um grande artista nunca iria entregar um produto que fosse abaixo das suas capacidades, por isso Chaplin faz o suficiente, refina o suficiente, para ‘The Pilgrim’ ter o seu selo. E que selo!

Não é lírica, não é artística, mas das curtas mais ‘leves’ de Chaplin esta é uma das que mais satisfaz, ao desenrolar-se a bom ritmo (meia hora que passa a voar) e por possuir uma alegria fácil, ou seja, assente em piadas que se alimentam daquilo que já conhecemos da personagem. Por esta altura, já todos esperaríamos mais de Chaplin, provavelmente, mas se não há a universalidade da arte no Vagabundo, há, como sempre, e como já repeti várias vezes neste ciclo de críticas, a universalidade da comédia.

O final, passado na fronteira entre os Estados Unidos e o México, para onde o sheriff leva o Vagabundo e o solta, é também muito interessante, se o analisarmos como a mensagem de despedida de Chaplin do seu eu das curtas-metragens. Indo para o horizonte com as costas para a câmara e com um andar desengonçado, num movimento que se tornaria clássico (neste caso com um pé de cada lado da fronteira), a universalidade artística que o Vagabundo poderá não ter tido ao longo da curta subitamente inunda o ecrã e, conhecendo como conhecemos a sua gloriosa obra posterior, os seus filmes para a United Artists, sentimos um confortante calor. Chaplin podia estar a despedir-se de uma era, a era que o tornou famoso e milionário, mas não estava prestes a abandonar-nos. Com o final de ‘The Pilgrim’ Chaplin deixa o seu Vagabundo a perdurar, a rumar ao horizonte para ter sempre novas aventuras, um ser imortal e intemporal. Um ser que fez a viagem de pedante a trágico, de bêbado a lírico, de interesseiro a universal, de cómico a artista. Chaplin. O pequeno homem. O pequeno Vagabundo. Que agora abria as portas ao cinema das longas-metragens...

Espero que tenham gostado deste ciclo de dez mini-críticas e obrigado por o terem acompanhado!

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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