Realizador: Charles Chaplin
Actores principais: Charles Chaplin, Phyllis Allen, Mack Swain
Duração: 21 min
Crítica: (Esta é a nona crítica de um ciclo sobre as 10 curtas-metragens que Charles Chaplin realizou durante o seu período com a distribuidora First National (1918-1923). Pode ler a introdução a este ciclo na minha crónica “Chaplin na First National (1918-1923) - Introdução para um ciclo de críticas” (link aqui), bem como ter acesso aos links para as restantes críticas)
Com apenas duas curtas-metragens restantes para completar o seu contrato com a First National e poder abraçar a sua total independência, Chaplin segue em ‘Pay Day’ a senda de curtas anteriores (‘A Day’s Pleasure’, ‘The Idle Class’) e concebe, entre aspas, uma curta de comédia a “despachar”, revisitando elementos dos seus antigos trabalhos. Com isto quero dizer que Chaplin não se esforça por dar pungência dramática, ou maior profundidade à sua personagem do Vagabundo, elementos que estavam a ser cada vez mais trabalhados e que tinham tido o seu expoente máximo em ‘The Kid’ do ano anterior. Mas se não havia disponibilidade emocional de Chaplin para ser cómico, artístico e lírico ao mesmo tempo, há um elemento que Chaplin, por esta altura, se recusava a ceder: a comédia. Em ‘Pay Day’ Chaplin não é sem dúvida o Chaplin de ‘The Kid’, mas não baixa, por um segundo, a fasquia da comédia, e é precisamente isso que apresenta, sem mais nem menos, como nos seus melhores trabalhos.
A curta divide-se em duas partes, duas sequências cómicas que Chaplin cola (e que podiam ser encaixadas noutras sequências de outras curtas) para nos mostrar um dia na vida do pequeno Vagabundo, que neste caso é um trabalhador da construção civil. A primeira parte é passada numa obra, e as piadas fluem naturalmente à medida que Chaplin, com a sua elegância balética desastrada, se esforça para fazer o seu trabalho, levando o capataz ao desespero. Destaca-se a hilariante sequência da pausa de almoço (brilhantemente coreografada) e a sequência onde, no alto de uma viga, Chaplin recebe os tijolos que lhe são atirados de baixo. Claro que o efeito é obtido com Chaplin a atirar os tijolos para baixo e depois simplesmente fazendo o ‘rewind’ da bobina, mas mesmo assim, e para a época, é engraçado. Podemos sentir nesta primeira parte, se puxarmos um bocadinho pela imaginação, um preâmbulo para as geniais sequências fabris em 'The Modern Times’ (1936).
Mas é na segunda parte que a curta mais brilha. Aqui, após receber o seu salário, Chaplin vai para uma noite de farra com os amigos. A curta apanha-o à saída de um estabelecimento e nos dez minutos seguintes seguimos as suas peripécias para tentar chegar a casa, onde Chaplin nos dá a sua melhor exibição do bêbado deste ‘One A.M.’ (1916), uma das suas míticas curtas para a Mutual. É um enorme elogio a ‘Pay Day’ dizer que a genialidade cómica de Chaplin como bêbado está próxima, ou equivalente, ao autêntico one-man show de ‘One A.M.’. A sequência em que Chaplin tenta apanhar o eléctrico, por exemplo, é absolutamente memorável. E depois, quando finalmente consegue chegar a casa pela madrugada, ainda tem que tentar passar a perna à sua mulher possessiva (a possante Phyllis Allen num clássico contraste cómico), que o espera com um rolo de cozinha!
‘Pay Day’ é engraçado, muito engraçado. Chaplin demonstra mais uma vez que, acima de tudo, era um enorme comediante e prova, sem sombra de dúvidas, que foi o maior intérprete ‘bêbado’ de que há memória no teatro ou no cinema. E nós, espectadores, rimos, alegre e despreocupadamente, por mais anos, décadas ou séculos que passem. E mesmo que ‘Pay Day’ não seja uma peça de cinema dita ‘artística’, isto constitui verdadeiramente uma arte, por si mesmo.
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