Eu adoro Jerry Lewis. Adoro-o mesmo. Era um artista muito especial. Ou melhor é, visto que felizmente ainda não nos deixou. Hoje com 89 anos de idade, Lewis limita-se principalmente a breves aparições televisivas na América (a maior parte para angariar fundos para causas humanitárias) mas nunca deve ser esquecido que nas décadas de 1950 e 1960 Lewis era o artista mais conhecido e mais bem-amado a nível mundial, e foi o campeão da bilheteira em nada menos que dez anos distintos ao longo destas duas décadas.
Contudo, apesar do estrondoso sucesso que viveu e da riqueza cómica do seu espólio cinematográfico, é incrível o quão pouco se recorda este grande artista. Nunca recebeu um Óscar honorário. É praticamente o único grande cómico do Cinema que não teve essa honra. Raramente se fala dos seus filmes, em homenagens, cerimónias ou livros da especialidade. E em Portugal parece ser um autêntico desconhecido. Quando foi a última vez que se viu um filme de Jerry Lewis na televisão portuguesa? Há 15 ou 20 anos?! Eu próprio cometi o enorme pecado (pelo qual sempre me arrependerei) de apenas ter visto o meu primeiro Jerry Lewis já com 27 anos de idade. Teria sido uma obra com a qual adoraria ter crescido, tal como cresci com a de Mel Brooks, Chaplin ou dos Irmãos Marx. Foi preciso conhecer a minha mulher para ela me sugerir o cinema de Jerry Lewis, que se recordava de ver em criança. Então, nos últimos cinco anos, dediquei-me a ver todos os filmes de Jerry Lewis que consegui encontrar (porque desde o primeiro fiquei fisgado), até que hoje já praticamente conheço toda a sua filmografia. E com cada filme me apaixono mais pela sua arte. E com cada filme mais me apercebo da extrema injustiça que é deixar envelhecer este senhor, e provavelmente falecer, sem lhe prestar, em vida, as devidas homenagens de carreira a que tem direito, e sem permitir que as novas gerações tenham oportunidades para o descobrir.
"Eu próprio cometi o enorme pecado (pelo qual sempre me arrependerei) de apenas ter visto o meu primeiro Jerry Lewis já com 27 anos de idade. Teria sido uma obra com a qual adoraria ter crescido"
Lewis tinha a graciosidade de movimentos de Chaplin, mas não estava focado em ser artístico. Preferia antes ser infantil, no sentido de ter a exuberância de uma criança num corpo de homem, uma infantilidade que não era propriamente ingénua (facilmente a deturpava), mas que era sempre sincera. Lewis era um artista não para os críticos, não para as elites, nem mesmo para a humanidade, como era Chaplin. Lewis era um artista para a família, e ainda hoje os seus filmes têm essa aura de sincera simpatia, de valores de honestidade e amizade, de diversão leve, de entretenimento que facilmente apela a miúdos e graúdos. Em toda a sua carreira, nunca deu uma piada baixa, nunca cedeu para a risada fácil. O seu humor desastrado era sempre acessível e vinha desse lugar de Peter Pan, de infância eterna, dentro dele, mas também dentro de nós, público.
De todas as suas épicas cenas de comédia eu adoro, acima de tudo, as suas sequências musicais. Lewis começou como par cómico de Dean Martin, muito melhor cantor do que actor. Primeiro no vaudeville, depois na rádio, depois na televisão e finalmente no cinema, a sua ascensão como duo cómico de excelência foi meteórica no início da década de 1950 e a junção de comédia (por parte de Lewis) e de música (por parte de Martin) foi sempre uma constante no seu repertório. Mas à medida que se foram afastando (acabariam por se separar de vez em 1956) as sequências em que Martin cantava passaram a ser completamente distintas, dentro dos filmes, daquelas em que Lewis exibia a sua comédia. Contudo, Lewis não abandonou esse instinto de fazer comédia subtil ao som de música, principalmente ao som do jazz da época, que parecia adorar. E quando entrou numa carreira a solo a partir de 1957, estas sequências transformaram-se numa parte essencial e indispensável dos seus filmes, tornando-se depois cada vez mais importantes e artísticas quando Lewis começou a realizar os seus próprios filmes a partir de 1960.
Aqui estão dez das minhas cenas preferidas deste particular tipo de comédia, começando pela mais extraordinária, a dança na cozinha de ‘Cinderfella’ (1960). Não porei qualquer comentário a acompanhar os vídeos. Aliás, que poderia eu dizer?! As cenas falam por si, a comédia fala por si. Pode ser que, seduzido por estas cenas, o leitor procure ele próprio o cinema de Jerry Lewis e isso seria a melhor mensagem que eu poderia transmitir, a melhor homenagem que eu poderia fazer.
"Lewis tinha a graciosidade de movimentos de Chaplin, mas não estava focado em ser artístico. Preferia antes ser infantil, no sentido de ter a exuberância de uma criança num corpo de homem, uma infantilidade que não era propriamente ingénua (facilmente a deturpava), mas que era sempre sincera."
No final apresento ainda mais um vídeo que encontrei por acaso a fazer as pesquisas para este post. Jerry Lewis, em 2014, fala precisamente destas sequências no 'The Tonight Show Starring Jimmy Fallon'. Excelente. Viva Jerry Lewis. Viva Jerry Lewis. Viva Jerry Lewis. O seu cinema, e a sua comédia, são imortais.
A dança na cozinha - do filme 'Cinderfella' (1960)
Na sala de reuniões - do filme 'The Errand Boy' (1961)
Escrevendo à máquina - do filme 'Who's Minding the Store?' (1963)
A orquestra invisível - do filme 'The Bellboy' (1960, já criticado em EU SOU CINEMA).
A dança da marioneta - do filme 'The Errand Boy' (1961)
O concerto de Rock n' Roll - do filme 'Rock-a-Bye Baby' (1958)
O baile - do filme 'Cinderfella' (1960)
A festa da escola - do filme 'The Nutty Professor' (1963)
O concurso de Jitterbug - do filme 'Living It Up' (1954)
(Inicialmente tinha publicado a cena do Concerto de final de ano do filme 'You're Never Too Young' (1955), mas o vídeo foi retirado do youtube. Esta cena é um mais que digno substituto.)
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