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Cinderella

Ano: 2015

Realizador: Kenneth Branagh

Actores principais: Lily James, Cate Blanchett, Richard Madden

Duração: 105 min

Crítica: Bem… sinceramente, eu gostei. Sim, sei que fui eu que disse mal a torto e a direito de ‘Maleficent’ (2014) o ano passado, e ando a amaldiçoar a minha vida cada vez que a Disney anuncia mais uma adaptação de imagem real do seu clássico espólio de animação (‘Beauty and the Beast’ o próximo, em 2017!). Mas eu sou um rapaz sincero. E, sendo um rapaz sincero, tenho que dar a minha verdadeira opinião sobre um filme, mesmo que esse filme não pudesse prometer muito à partida para o cinéfilo mais dedicado, ou que pudesse ser alvo fácil de críticas. “Chata Borralheira”, diz Jorge Mourinha, do Jornal Público, na sua crítica. Um bom trocadilho, mas já estaria pensado de antemão? Não é de propósito, juro, mas tenho tendência a ter exactamente a opinião contrária sobre um filme da deste crítico português. Por isso mesmo, quando no sábado li a sua crítica, foi o primeiro vislumbre de que efectivamente até poderia gostar deste filme. Mas em verdade nada me levava a crer.

Primeiro porque este filme seguia a linha desinspirada da Disney pós-moderna de lançar blockbusters de imagem real baseados nos seus filmes de animação. Se ‘101 Dalmatians’ de 1996 era uma comédia romântica familiar tão típica dos anos 1990, que resultava precisamente por causa disso, desde 2010, ano de ‘Alice in Wonderland’ de Tim Burton, a Disney Pictures enveredou por um caminho fantasioso na linha de Harry Potter ou Senhor dos Anéis, oferecendo filmes cheios de efeitos especiais, histórias adulteradas e cultos de personalidade do vilão (Julia Roberts em ‘Mirror Mirror’, Angelina Jolie em ‘Maleficent’) que desvirtuavam os filmes originais e não tinham uma pinga de magia. ‘Maleficent’ é o pior deles todos. Chamei-lhe “uma expressão artística egocêntrica de Jolie, onde as personagens são fracas e os actores são maus, somente para Jolie ser a mais bonita, a mais boa (em ambos os sentidos) e a indiscutível estrela”. Com Cate Blanchett como a Madrasta nada faria prever que o filme fugisse deste enquadramento.

Segundo porque o realizador deste filme é Kenenth Branagh, um homem que é indiscutivelmente um génio da arte teatral e foi um génio do cinema shakespeariano nos anos 1990 (já critiquei o seus extraordinários ‘Much Ado About Nothing’ e ‘Hamlet’). Contudo, como o novo milénio, Branagh rendeu-se ao blockbuster, fazendo filmes sem grande esforço somente para ganhar dinheiro para poder financiar as suas peças de teatro mais artísticas. ‘Thor’ era mau. ‘Jack Ryan: Shadow Recruit’ foi ainda pior; um dos filmes mais miseráveis que vi e critiquei em 2014. Estaria Branagh aqui em piloto automático, mais uma vez?

E terceiro, o argumento, o calcanhar de Aquiles destas “invenções” modernas da Disney, estava a cargo de Chris Weitz. Se agora se fala muito de Weitz por ser o argumentista do primeiro spin-off de Star Wars: ‘Rogue One’ (2016), o seu espólio anterior como realizador/argumentista não era muito promissor: o primeiro ‘American Pie’ (1999), ‘About a Boy’ (2002), um drama ligeiro com Hugh Grant, o narniesco ‘The Golden Compass’ (2007) e até um dos filmes de Twilight: ‘A New Moon’ (2009).

Produtora, realizador e argumentista, nenhum destes aspectos prometia muito, num produto da Disney intento em fazer toneladas de dólares com pouco esforço (‘Maleficent’, relembremo-nos, arrecadou 758 milhões de dólares mundialmente, a partir de um orçamento de 180 milhões). Ainda para mais a publicidade da Disney não foi direccionada para o filme, antes para a nova curta de ‘Frozen’ que o iria anteceder – ‘Frozen Fever’. “There is only one way to see it, with ‘Cinderella’” dizia o trailer da curta. Não augurava muito para o filme, pois não? O leitor pode-me criticar?

Mas um dos maiores prazeres desta vida de cinéfilo e crítico é ser desdito pelo filme. Toma, embrulha, vai buscar. ‘Cinderella’ não é o conto de fadas mais extraordinário que já se viu, mas é sem dúvida alguma o melhor filme destas adaptações modernas da Disney. Mete ‘Alice in Wonderland’ num bolso. Está anos-luz a cima, completamente noutra galáxia, relativamente a ‘Maleficent’. E o segredo para isso é incrivelmente simples: é fiel à essência, à magia e à ilusão do clássico original de 1950. Pode parecer incrível, mas as outras adaptações falham precisamente porque não o foram. ‘Cinderella’, versão de 2015 realizada por Kenneth Branagh é. E isso é maravilhoso. Mais para miúdos do que para graúdos é certo, mas não deixa de ser maravilhoso na mesma. 

Inicialmente, não parecia que iria ser. O filme abre com a proverbial e totalmente desnecessária voz off de Helena Bonham Carter (a Fada Madrinha), que se prolonga até ao final. Muito bem que ela está a contar a história como se fosse a nossa mãezinha à beira da cama, o que não deve deixar de ser cativante para as crianças, mas chega a ser deveras enervante pois a maior parte das vezes limita-se a resumir aquilo que vamos ver na cena. “E então o rei anunciou um novo decreto” diz a voz off. Três segundos depois vemos um guarda a desenrolar um pergaminho na praça central da pequena vila: “Por ordem do rei, anuncio um novo decreto”… Redundante e extremamente maçador. Contudo, há aqui pontos a destacar, nomeadamente a aparição da própria Bonhan Carter. Apesar de, fisicamente, apenas aparecer numa única cena, a sua presença etérea, através deste artifício, é sentida ao longo de todo o filme, tal como sentimos o Génio ao longo de ‘Aladdin’ (1993), o que aumenta essa mística de conto de fadas e essa ilusão de magia. Isto para não falar da delícia que é ver Bonham Carter como a despassarada Fada Madrinha (a melhor actriz/personagem do filme, de longe), e de a ver reassociada a Branagh passados 15 anos, depois da sua relação dentro e fora dos ecrãs nos anos 1990.

O clássico de 1950 era um filme curto, de 75 minutos. Esta readaptação pouco passa da 1h40min, pelo que está estruturada de uma forma bastante contida mas eficaz, as cenas sucedendo-se com dinâmica, nunca quebrando o ritmo, e tendo a simplicidade suficiente para passar a sua mensagem sem se demorar em diálogos ou construções que para as crianças poderiam ser maçadoras. Mas os adultos, em boa verdade, não irão sentir muito a falta desses elementos. O filme segue quase à risca a estrutura do clássico original, mas quando se afasta, geralmente é com uma boa justificação. Assim louvamos que nos seja dado a compreender melhor como Ella ficou órfã. Louvamos que a sua passagem de meia-irmã para uma mera criada seja dada de uma forma extremamente bem construída, através de pormenores subtis e bem apanhados, com o passar do tempo, que não chamam muito à atenção para si próprios. Louvamos que ela conheça o príncipe antes do baile, e fique a achar que ele é um mero aprendiz, pois assim evita-se o que acontece no filme de animação – um apaixonar apenas pelos "looks" – dando maior profundidade e credibilidade ao seu amor. Do mesmo modo, no próprio baile, têm momentos a sós em que se podem descobrir e apaixonar. Tudo isto são elementos “extra” ao filme de animação que resultam na perfeição neste novo filme, e que ao mesmo tempo não ocupam tempo suficiente para distrair da história de base, nem fazer sentir que o público está a ser “enganado” com uma história completamente diferente (como acontecia em ‘Maleficent’).

O reverso da medalha é alguns elementos de relevo do filme de animação serem cortados, em prol da credibilidade deste filme de carne e osso. A importância dos ratos, por exemplo (que desempenhavam a cena mais excitante do filme de animação – a recuperação da chave), é renegada para um mero à parte. Como não falam, são apenas uns compinchas para os desabafos de Ella (embora brilhantemente animados por computador), que pouco mais relevo têm (nem em escapes cómicos com o gato Lúcifer). Do mesmo modo, não são os animais que fazem o vestido do baile de Ella – é ela própria. Quando o argumento toma estas decisões para dar mais poder à sua personagem principal é uma manobra sempre dúbia… E depois perdemos as músicas, pedra basilar de toda a odisseia Disnesca mas que aqui, provavelmente, seriam descabidas. 

Mesmo assim, o filme envolve-nos na história da Cinderella desde o primeiro instante. No prólogo, vemos a pequena Ella, bem-amada filha de um mercador, a ficar órfã. De destacar pela negativa a pequena que a interpreta, Eloise Webb. Depois de ‘Maleficent’, a Disney mais uma vez prova-se desinspirada no casting de child stars – não havia ninguém que soubesse actuar melhor?! Crescida, Ella é interpretada por Lily James, que pode não ser uma actriz extraordinária, mas tem um sorriso encantador, do qual faz bom uso durante toda a película. Mas é Cate Blanchett que mais brilha (a par de Bonham Carter); extraordinária como a Madrasta, embora tenha, quase até ao final, pouco tempo de antena (ao contrário das vilãs de filmes anteriores). Talvez por isso, o filme tem uma das suas piores decisões. Não alteram o final (graças a Deus), mas alteram a forma como se chega lá. Se por um lado torna-se interessante para quem conhece bem a história, pois assim há efectivamente uma ‘surpresa’ e um período de desnorte, em que não sabemos o que vai acontecer e sentimos o suspense, por outro é de perguntar qual a necessidade desta manobra. A resposta parece ser que assim Blanchett consegue dar azo ao seu talento e roubar um pouco o filme ao casalinho principal. Como adoramos ver uma boa actriz a fazer de má! E porque Blanchett o faz divinalmente, perdoamos a ofensa.

E por falar em casalinho, Richard Madden como o príncipe é mais do que uma cara bonita. Se o príncipe de ‘Maleficent’ era uma piada de mau gosto, aqui temos um príncipe com substância e profundidade, ou pelo menos, a suficiente para não ser oca. Juntos, o príncipe e Cinderella têm momentos de faísca (a cena no jardim secreto). O filme conta também com aparições de relevo de Derek Jacobi como o Rei, Stellan Skarsgård como um segundo vilão, o conselheiro da Corte, e as sempre engraçadas Sophie McShera e Holliday Grainger como as meias-irmãs Drisella e Anastasia.

Da vida infeliz mas resignada como criada, o filme prossegue certo e seguro com o seu esquema clássico; a cena da fada madrinha, a abóbora que se transforma em coche, o baile, as badaladas da meia-noite, a perda do sapatinho, a busca por todo o reino, o re-encontro final. Talvez no início Ella esteja demasiado resignada. Muito bem que o seu lema, ensinado pela mãe, seja “ser sempre simpática e ter coragem” (algo que já enjoa ouvir no final do filme), mas há limites e Cinderella por vezes parece uma pateta alegre perante as suas adversidades. Talvez com a pressa o filme se esqueça de parar um bocadinho para se desfrutar de si próprio. A bela cena da fada madrinha, por exemplo, demora pouco mais que três minutos. Sabemos que a famosa música ‘Bibbidi-Bobbidi-Boo’, aqui gravada por Bonhan Carter, foi cortada da versão final do filme, mas mesmo assim pedia-se mais tempo, nem que fosse para desfrutarmos da sua excelente interpretação. Talvez os valores sejam rotineiros, talvez a história não tenha grandes surpresas, talvez a realização não seja a mais inspirada. Mas num produto como este tudo isso é menos importante, pois ‘Cinderella’ compensa com incríveis valências, mergulhando o espectador na sua fantasia.

Destaca-se o magnífico visual, a maravilhosa palete de cores, o extraordinário guarda-roupa, o sumptuoso design de produção. O filme cativa o olho, e as crianças ficarão coladas à beleza que existe em cada plano, um autêntico conto de fadas tornado realidade, como se os próprios desenhadores e coloristas da Disney dos anos 1950 tivessem pintado cada frame deste filme à mão. Só é pena, realmente, os exagerados efeitos por computador nos grandes planos. Já não há castelos em Inglaterra? Já não há penhascos por esse mundo fora? Porque é que quase todos os planos bird’s eye de exteriores deste filme são claramente computadorizados? Um filme que custou 95 milhões de dólares certamente poderá arranjar mais uns trocos para colocar uma câmara num helicóptero e filmar uns penhascos em Dover, não? Se isto enerva, ao menos pode-se fechar os olhos momentaneamente e desfrutar da melodiosa e fabulosa banda sonora de Patrick Doyle. O compositor habitual de Branagh, e um dos meus compositores favoritos (‘Much Ado About Nothing’ ou ‘Carlito’s Way’ são obras primas das bandas sonoras) tem aqui mais um trabalho de mestre.

No final, e retomando a minha questão inicial, tenho a dizer que apesar de tudo gostei do filme e está muito bem conseguido. A única crítica de fundo legítima é a basilar: porquê fazer um filme destes, quando bem se pode pegar no ‘Cinderella’ de 1950 e repô-lo nos cinemas, para que toda uma nova geração o possa redescobrir no grande ecrã? A resposta é que geralmente o pessoal não gosta de ir ao cinema ver filmes antigos, e esse filme já tem um mercado assegurado em DVD/Blu-ray. Compensa muito mais à Disney fazer um filme “novo” e vendê-lo. Nem por acaso, em duas semanas o filme já vai em 253 milhões arrecadados mundialmente, ou seja, já quase triplicou o investimento.

Mas tirando esta questão de fundo, e pensando neste ‘Cinderella’ como um ente isolado, então temos que lhe tirar o chapéu (e a Branagh também, um realizador surpreendentemente versátil). É o filme de imagem real da Disney, pelo menos da Disney moderna, que mais se aproxima realmente do seu imaginário de conto de fadas. Flui bem e dispõe bem sem ser enjoativo. Tem grandes interpretações dos ilustres nomes, e interpretações satisfatórias das novas vedetas. Tem cor, dinamismo e alegria. Pode não fazer rir mas faz sorrir. Tem enorme capacidade para cativar o público infantil, pela beleza simples mas eficaz de cada plano, e está suficientemente bem construído em termos argumentais (a sua objectividade é um ponto chave) para despertar o interesse no público adulto. Pode não ter uma pinga de originalidade relativamente ao clássico de 1950, pode seguir à risca a sua fórmula, mas não é uma mera imitação. Honra-o e, ao contrário de outras adaptações recentes da Disney, não é presunçoso, achando que pode fazer melhor. Este filme está ciente que não pode fazer melhor e essa humildade só lhe cai bem e liberta-o para enriquecer a história. 

Quando ‘101 Dalmatians’ saiu em 1996 a sua tagline era “desta vez a magia é real”. Recupero esta frase para descrever este ‘Cinderella’. Desta vez a magia é real. Da animação para carne e osso, a magia não se perdeu. Existe aos magotes. Transborda pelo filme. Gostemos ou não gostemos do que a Disney anda a fazer aos seus clássicos (pessoalmente não gosto), gostemos ou não gostemos da moral-Disney que em carne e osso custa um pouco mais a engolir do que em animação, gostemos ou não gostemos de fantasias de princesas (não é certamente para o crítico intelectual – algo que nunca fui!), uma coisa é inquestionável, este filme tem uma chama mágica. Tem a chama mágica à qual associamos, há 90 anos, o nome ‘Disney’. E se é isso que procura num filme, caro leitor, então ‘Cinderella’ não desapontará. Agora se pretende algo mais adulto ou mais maduro, que a carne e osso poderá deixar antever, então é melhor procurar outro filme.

Espero que os pais não deixem de mostrar o ‘Cinderella’ original aos filhos. Mas se se desleixarem e mostrarem esta adaptação, a felicidade é que as crianças não ficarão mal servidas. Nada bate as fantasias clássicas do Sr. Walt, mas neste mundo moderno, ‘Cinderella’, versão de 2015, é a prova de a Disney quando quer, ainda consegue chegar lá perto. Afinal, ainda há esperança para estas adaptações. Não fosse a Disney uma mestre a inspirar esperança.

2 comentários:

  1. Gosto das histórias que contam os filmes porque são muito interessantes, podemos encontrar de diferentes gêneros. De forma interessante, o criador optou por inserir uma cena de abertura com personagens novos, o que acaba sendo um choque para o espectador, que esperava reencontrar de cara as queridas crianças. Desde que vi o elenco de Cinderela imaginei que seria uma grande produção, já que tem a participação de atores muito reconhecidos, pessoalmente eu irei ver por causo do atriz Lily James, uma atriz muito comprometida. Eu a vi recentemente em um dos melhores Filmes de Ação 2017, acho que é uma opção que vale a pena ver.

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    1. Concordo com quase tudo o que disse, excepto no que se refere ao Baby Driver. Não gostei nada. Já escrevi uma crítica: https://eusoucinemapt.blogspot.pt/2017/08/baby-driver.html

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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