Realizador: Michael Mann
Actores principais: James Caan, Tuesday Weld, Willie Nelson
Duração: 122 min
Crítica: Vou começar sem rodeios. ‘Thief’ (1981), em português ‘O Ladrão Profissional’, é um filme espectacular. Se me permitem um corrido de adjectivos, é uma obra inteligente, artística, urbana, hipnotizante, ritmada, credível, com profundidade e uma valente lição de bom, incrível, Cinema. Mas ‘Thief’ é um completo e total desconhecido. E isso ultrapassa-me. Ultrapassa-me como um filme como este não faça parte do cânone do comum cinéfilo. Filmes como ‘Scarface’, por exemplo, feito apenas dois anos depois têm legiões de fãs, mas ‘Thief’ é apenas uma memória da anterior geração que o encontrou no cinema ou na televisão (é só ler as inúmeras entusiásticas críticas no imdb), ou então uma relíquia encontrada por pessoas como eu, que o procuraram por ser o filme de estreia de um então produtor e argumentista de series de TV, e que se tornaria um nome icónico do cinema policial, nocturno e urbano, e um dos nomes maiores do cinema das últimas duas décadas (senão para o Mundo, pelo menos para mim). Estou a falar, claro, de Michael Mann.


A cena inicial é clássica, um assalto, sem palavras, só tensão e acção. Os ambientes que Mann consegue criar associados a uma banda sonora etérea da banda Tangerine Dream estabelecem o ambiente do filme. E quando o assalto termina e Caan e o seu parceiro (interpretado por Jim Belushi) guiam calmamente para a segurança, os clássicos planos da perspectiva das rodas do carro e das luzes da cidade reflectida no vidro que Mann popularizaria na série ‘Miami Vice’, ajudam a embalar-nos definitivamente para o tom e para o significado do filme.
Mas algo corre mal com o passador que tenta vender os diamantes roubados. Após a venda, o passador é morto, e o dinheiro, que seria destinado a Caan é roubado. Caan vai então atrás de quem o fez e tropeça na maior rede mafiosa da cidade, encabeçada por um magnífico Robert Prosky, no seu primeiro filme (apesar dos seus 51 anos) e que eu até ver ‘Thief’ pela primeira vez só tinha visto em comédias dos anos 1990. Aqui está tudo menos cómico. É uma figura ameaçadora e rouba praticamente todas as cenas em que está. Prosky faz uma proposta a Caan. A de ir trabalhar para ele, fazer assaltos para ele. O risco é maior, mas a recompensa também. Caan tem que dar uma resposta em breve.

Primeiro vemos Caan a ir à prisão visitar o seu antigo companheiro, uma breve interpretação do cantor Willie Nelson. Nelson está a morrer e quer que Caan o tire da prisão. Depois vemos Caan a ir tomar café com uma empregada de mesa que conhece (interpretada pela lindíssima Tuesday Weld), a quem abre o coração e a quem conta o seu plano de vida. Quer uma sequência quer outra não nos fazem querer voltar à acção. Ambas puxam-nos ainda mais para as personagens.
Na primeira Nelson diz algo como ‘tenho angina qualquer coisa, estou a morrer, tira-me daqui’. A simplicidade do filme em assumir que não precisa de explicar qual é a doença de Nelson é meritória. ‘Angina qualquer coisa’ é a expressão que se usa. É um recluso. Que sabe de medicina? Não seria a cena bem mais artificial se ele descrevesse a sua doença? A doença não interessa, o que interessa é sair da prisão, para morrer fora. Só isso importa, morrer fora, morrer livre. Na segunda sequência, na do café, existe a mesma naturalidade, a mesma forma de mostrar as coisas. O ano passado falou-se muito da cena do café em ‘Silver Linnings Playbook’, mas era uma cena de argumento estereotipado com um propósito claro, exibir Lawrence. Em ‘Thief’ assistimos a uma conversa, ou melhor, praticamente a um monólogo de Caan sobre a sua vida e a sua experiência na prisão. Mas estamos a sugar cada palavra que ele está a dizer. E quando pede mais natas para o café a meio de uma frase, e depois a retoma, nem pestanejamos, porque é algo real, e estamos completamente agarrados para ouvir o resto da história. É praticamente a única cena de ‘desenvolvimento de personagem’. E o filme não precisa de mais. É maravilhosa. Não é à toa que Caan considera esta a melhor cena da sua carreira. Tem motivos para estar orgulhoso.
Por amar Weld, para precisar de dinheiro para subornar juristas para libertar Nelson e por querer chegar ao seu objectivo mais depressa para dizer adeus a esta vida, Caan aceita fazer um único assalto para os mafiosos, muito mais arriscado, mas com a possibilidade de ganhar uma quantidade de dinheiro como nunca sonhou. No início poderíamos ter pensado que ele era um solitário, mas não. Está ligado a Weld, está ligado a Nelson, que foi o seu único amigo na prisão. Irá fazer o trabalho para se salvar, não só a si mas também a eles. É o proverbial ‘one last job’, que tantos filmes de acção dos anos 1980 e 1990 tiveram, incluindo do próprio Mann. Tudo parece correr de vento em poupa, os mafiosos tratam-no bem, dão-lhe dinheiro, dão-lhe um bebé quando ele descobre que Weld não pode ter filhos. Tudo parece avançar demasiado rápido para o sonho. Mas claro, nem tudo será perfeito. A polícia corrupta (os únicos polícias que aparecem em todo o filme) começam a estar no seu encalço, e depois de uma épica cena de assalto o chefe dos mafiosos (numa cena hipnotizante de Prosky, excelentemente filmada) recusa-se a deixar Caan desaparecer do mapa e não fazer mais assaltos para ele. A sua família e os seus amigos são ameaçados. O sonho tão perto parece tornar-se num pesadelo. E é aí que Caan revela a sua natureza animal, instintiva, mas inevitavelmente humana e toma conta do assunto pelas próprias mãos, tal como muitos anti-heróis dos 1980 o fizeram e como Ryan Gosling iria fazer, imolando este filme, em ‘Drive’ (2011)…

O filme pode estar, na realidade, a focar-se num criminoso, mas nunca tenta fazer de Caan um herói, e isso é uma das suas maiores valências. O Frank de James Caan é um homem comum, e faz o que tem de fazer para ser feliz. O filme é sobre a sua jornada para esse objectivo. Pelo caminho tem pitadas de filme de assalto, de filme de mafiosos, de filme sobre a noite suja americana que tem pouco lustro, embora seja pontilhada de luzes, e muitos segredos. Mas também tem alguma esperança. É um filme com uma chama rara de humanidade. Nunca é belo, mas é sempre ritmado, completamente cativante e artístico. Não tão artificialmente artístico como ‘Drive’ (não há slow motions, por exemplo) mas tem aquela subtileza da fotografia a que Mann nos habituaria em toda a sua carreira.
‘Thief’ é o filme seminal sobre o ‘último grande roubo’. Caan tem a performance da sua vida. E a carreira de Michael Mann ficou definitivamente lançada. A única nomeação que este filme teve (ou pelo menos a única que figura no imdb) foi para a Palma D’Ouro. Que outro filme sobre um ladrão a fazer o ‘último grande roubo’ dos anos 1980 teve uma distinção semelhante? ‘Thief’ é bom, ‘Thief’ é muito bom, porque é sincero, credível e puxa-nos para o seu universo. E está à espera de ser (re)descoberto.
Gostei muito deste primeiro filme do Michael Mann, James Caan está, como sempre, excelente. Concordo com a crítica. Este e "Manhunter" (o primeiro filme com o "famoso" Hannibal Lecter) são dois filmes muito bons do Michael Mann, apesar de serem pouco conhecidos.
ResponderEliminarSem dúvida alguma uma obra prima! Magnífico.
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