Realizador: Daniel Mann
Actores principais: James Coburn, Lee J. Cobb, Gila Golan
Duração: 108 min
Crítica: Após o estrondoso sucesso dos primeiros 5 filmes de James Bond na primeira metade da década de 1960, um novo género cinematográfico emergiu em força, o spy-fi (pode ler tudo sobre a origem deste género na minha crónica ‘Martinis, girls and a gun - sobre a génese do 'spy-fi', neste link). Confesso que sou um grande aficionado do spy-fi, como o prezado leitor já descobriu se costuma ler estas páginas. Espiões, miúdas giras, vilões que querem dominar o mundo, a aura kitsh e de inícios de abertura sexual dos anos 1960, gadgets e efeitos especiais que agora fazem vontade de rir, e uma qualidade de produção tão simples (não me atrevo a chamar-lhe baixa) que tornam, tudo somado, o filme em algo bem acima de um guilty pleasure, tornam-no num guilty pleasure com estilo e inexplicavelmente fascinante. Que mais se pode querer do cinema como forma de entretenimento e escapismo?

‘Our Man Flint’, um dos primeiros filmes deste género a aparecer, introduz o espião Derek Flint, interpretado com uma masculinidade felina por James Coburn. Independentemente do que eu disse no parágrafo anterior, e independentemente de ser realizado por Daniel Mann (que já havia realizado dramas profundos como ‘The Rose Tatoo’, 1955, ou ‘BUterfield 8’, 1960, ambos vencedores do Óscar de Melhor Actriz), ‘Our Man Flint’ é talvez o menos sério desta primeira leva de spy-fis. Tal como espiões contemporâneos como Napoleon Solo ou Matt Helm, Flint é um agente secreto que parece estar perfeitamente ciente da estrutura cliché da sua personagem, dos seus maneirismos, do seu artificial magnetismo irresistível para com o sexo oposto, mas não altera o seu comportamento um milímetro por causa disso, e para ele esta é a maneira normal de actuar. Mas Flint estica a corda destes maneirismos, destes lugares comuns, praticamente como nenhum outro espião desta época (talvez apenas só, como muito menos estilo, Neil Connery de ‘OK Connery’), e isso fá-lo estar num patamar à parte, no meio termo entre o clássico espião de spy-fi e um Austin Powers, embora com muita mais testosterona.
Derek Flint vive não com uma, não com duas, não com três, mas com quatro mulheres no seu ‘bachelor pad’, e como se isso não bastasse ainda vai para a cama com uma quinta mulher durante a aventura (a lindíssima Gila Golan, que teve uma carreira brevíssima mo cinema e cujos talentos de actuação são um pouco fraquinhos – mas quem é que vai estar a notar nisso?!). Para além do mais Flint é um excelente lutador e praticante de artes marciais, dançarino, intelectual, conhecedor das coisas boas da vida, (tal como Bond), ao qual se acresce uma veia de McGyver. Flint declina receber a clássica mala com gadgets que uma espécie de Q lhe tenta dar e em vez disso manufactura, ele próprio, o arsenal que usará na aventura, incluindo a piece de resistence, um pequeno isqueiro que, como se repete muitas vezes no filme, possui 82 funções (83, se se quiser acender um cigarro!).

Depois de introduzir Flint com pompa e circunstância, o filme tem pouco mais a assinalar, visto que segue uma estrutura clássica. Flint começa a percorrer o Mundo. Começa em França e termina na Ilha do Vulcão. Pelo caminho vai descobrindo aos poucos o plano dos maus, deixa-se seduzir pela personagem de Golan apenas para, como Bond fez com Pussy Galore, usar o seu charme e magnetismo para a trazer para o lado dos bons, mata uns capangas, escapa da morte certa várias vezes, é raptado, escapa mais umas quantas de vezes, mata os vilões, salva o mundo, e finalmente fica com a(s) miúda(s).
Infelizmente, ‘Our Man Flint’ é um filme muito lento. As cenas são longas e morosas, e todo o tempo do Mundo é perdido em diálogos extensos e pausados e na necessidade de realização de mostrar todos os passos da cena, desde a entrada das personagens numa determinada divisão, à conversa por extenso, e à sua posterior saída. Esta é uma técnica dramática à qual certamente Mann estaria habituado mas que simplesmente não resulta num filme que deveria ter, por definição, um ritmo rápido. Só nos últimos 15 minutos, quando finalmente Flint está na ilha Vulcão e ocorrem as sequências climáticas de acção, é que o ritmo do filme finalmente ganha um momento adequado. Para além do mais, a historia do filme é muito pouco cativante e, roçando mais a paródia do que os restantes spy-fis, também não é assim tão engraçado, ou pelo menos inteligentemente cómico, quanto isso para ter um interesse adicional. Mesmo assim, o retrato absurdo da maior parte das personagens, mesmo que interpretadas por autores conceituados (como Lee J Cob), que fazem a paródia quer a si próprios, quer aos lugares comuns dos filmes de agentes secretos, muito embora não seja explicitamente cómico nem muito interessante, acaba por tornar este filme, olhando com este distanciamento temporal, num honrado predecessor das comédias de espiões de hoje em dia. ‘Our Man Flint’ é bem capaz de ter mais interesse agora, por causa disso, do que teve na altura do seu lançamento, perdido entre tanta e melhor produção de spy-fi. Aliás em 1965 o filme foi fortemente criticado pelo seu retrato das mulheres (não só o facto de Flint viver com 4 mulheres mas também no final os vilões fazerem lavagens ao cérebro às miúdas na ilha Vulcão para as transformar em ‘unidades de prazer’). Mas eu penso que este retrato é mais uma paródia ao poder de Bond sobre as mulheres do que propriamente algo ofensivo. Visto hoje em dia é um humor ligeiro, superficial e inofensivo, mas temos de ter em conta o contexto. Os filmes dos anos 1960 já eram mais ousados sim, e Bond esticava a corda, mas fazia-o seriamente, o que de certa forma atenuava o golpe. É normal que quando essa corda foi esticada humoristicamente, a simples novidade tenha causado o choque, tal como vários movimentos, em varias décadas, nos mais de 100 anos que o cinema já leva.

Quando vi todos estes spy-fis pela primeira vez era uma tarefa hercúlea encontrá-los. Agora nada é mais simples. Se está interessado, caro leitor, é só ir ao YouTube. Lá encontrará ‘Our Man Flint’ e ‘In Like Flint’ na íntegra. São filmes divertidos, pouco profundos e que se esquecem facilmente. Mas fazem parte desse universo maravilhoso de espiões, miúdas e vilões, que só quem conhece é que ama.
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