Realizador: Dan Scanlon
Actores principais (voz): Billy Crystal, John Goodman, Steve Buscemi
Duração: 104 min
Crítica: Todos os anos chego a Julho e fico um pouco mais decepcionado com o rumo que o estúdio Pixar está a tomar. De desapontamento em desapontamento, já não tenho grande fé no estúdio que tantas maravilhas já produziu. Para que o leitor não fique já de pé atrás, quero dizer há partida que ‘Monsters University’ é o filme mais coeso da Pixar de há um bom conjunto de anos a esta parte, um filme consistente e com qualidade que já não se via deste talvez ‘Ratatouille’ (2007). Mas mesmo assim não consegue chegar sequer aos calcanhares deste (a última grande obra-prima da Pixar) e, embora não desaponte, confirma todas as teorias que desenvolvi sobre a Pixar na última meia dezena de anos.
No início a Pixar era inovadora em duas vertentes. Primeiro na incrível qualidade gráfica das suas produções. Outra coisa não seria de esperar dos pioneiros na animação por computador. Mas, em segundo lugar, as histórias eram frescas e dinâmicas, reflexos de um trabalho de pessoas com paixão, uma grande vontade, e notáveis fontes de inspiração (inspiração, não cópia!), desde os trabalhos da Disney ao estúdio Ghibli. Nesta onda de produção, obras-primas como os dois primeiros ‘Toy Story’ (1995, 1999), ‘Finding Nemo’ (2003) e ‘Monsters Inc.’ (2001) foram feitas. Mas, de repente, parece que a torneira da inspiração se esgotou. A primeira vertente, a da qualidade gráfica, manteve-se e superou-se, de filme para filme. Mas a segunda vertente, a da história, pareceu ter secado. Os senhores da Pixar, de repente, tornaram-se uns mestres da inovação visual e gráfica, mas esqueceram-se que por detrás de um grande filme está uma grande história, e que por mais bela que seja a imagem, não vale de nada se a história não a sustiver. Os senhores da Pixar tornaram-se brilhantes engenheiros de software e brilhantes programadores, mas deixaram de ser ‘filmmakers’…
Se as histórias de ‘The Incredibles’ (2004) e ‘Cars’ (2006) já deixavam um pouco a desejar, a Pixar compensou com o brilhante ‘Ratatouille’. Mas depois entrou não só no ritmo ‘um filme por Verão’ (acarretando com isso uma pressão que pode suprimir a criatividade), como passou a descartar a qualidade das suas histórias. Os dois filmes ‘sociais’ da Pixar, ‘Wall-E’ (2008) e ‘Up’ (2009), foram aclamados pelo seu ‘tema’, mas a verdade é que, retirando a noção de que o filme é sobre esse tema (o ambiente e os idosos, respectivamente), estes têm pouco para oferecer. ‘Up’ é um exemplo notório: os primeiros dez minutos são magníficos, inacreditavelmente belos, um marco do cinema, mas todo o resto do filme parece viver às custas desses 10 minutos, e a história não faz sentido e está pouco trabalhada. Em ‘Toy Story 3’ (2010) acontece o mesmo, mas ao contrário. Os primeiros 70 minutos do filme são para encher, uma mera repetição dos outros ‘Toy Story’, mas o último quarto de hora é brilhante. Comecei a pensar que a Pixar só fazia filmes a metade. E como se viu na primeira parte de ‘Toy Sory 3’, em ‘Cars 2’ de 2011 (péssimo; não é um filme, é um desenho animado de sábado de manhã) e em ‘Brave’ (2013), o ‘copiar’ de outras histórias ou dos seus próprios filmes anteriores tornou-se uma prática constante no estúdio. ‘Brave’ é um filme de cortar a respiração visualmente, mas a sua história já se viu noutros filmes, como por exemplo ‘Brother Bear’ da Disney, e está cheia de falhas (por exemplo o facto de a mãe e a filha só estarem juntas menos de um dia, se pensarmos bem, tempo insuficiente para a catarse).
Hoje, quando comecei a ver a curta-metragem que antecede sempre os filmes da Pixar, comecei por pensar que iria assistir a mais do mesmo, e comecei logo a ficar nervoso. ‘The Blue Umbrella’ possui, mais uma vez, uma qualidade visual invejável, do mais alto nível, mas o meu meu cérebro dizia-me que estava ali qualquer coisa que não batia certo. E então lembrei-me. A história de ‘The Blue Umbrella’ é uma cópia da curta-metragem da Disney ‘Jonny Fedora and Alice Blue Bonnet’, inserida no filme ‘Make Mine Music’ (1946). Depois de ‘Brave’ tirar elementos de ‘Brother Bear’, a Pixar parece que agora só sabe buscar inspiração ao antigo espólio da Disney.
Depois começou o filme. Após três ‘Toy Stories’, dois ‘Cars’ e de ter anunciado há semanas um segundo ‘Finding Nemo’ a Pixar apresentava o segundo ‘Monsters Inc’. Em prequelas não há muito que enganar, é só fazer encaixar os eventos do filme com aqueles com os quais o público já está familiarizado. Mas a verdade é que ‘Monsters University’ faz apenas referências inteligentes às personagens e aos eventos que se seguirão em ‘Monsters Inc’. Isto dá claros pontos ao filme. Mas o filme é sempre uma montanha russa da qualidade. Começa muito bem, depois de repente a história volta a soar familiar para os fãs da animação (toda a linha argumental dos jogos universitários foi vista em ‘Another Goofy Movie’ de 2000), depois encaminha-se para um final brilhante que depois se estica, e se estica, e se estica (o filme tem uns 3 ou 4 finais), mas, incrivelmente, o último final de todos é realmente satisfatório e original. Aliás, é um golpe de génio como já não se via há muito muito tempo a sair das linhas da Pixar, embora mais uma vez seja pena que a Pixar só tenha inspiração para estes ‘golpes’ durante 5 minutos em cada filme, ao invés de os debitar ao longo de um filme inteiro como antigamente.
A história centra-se principalmente em Mike Wasovsky, o adorável monstro verde, com a voz nervosa de Billy Crystal. Aqui é ainda mais adorável na cena inicial, em que Mike, pequeno, visita a fábrica da Monsters Inc, e desde então fica com a obsessão de entrar para a faculdade dos sustos e de ser um grande assustador. Fast forward e já é o primeiro dia de aulas da faculdade. Mike é trabalhador, dedicado e estudioso, mas não tem o perfil de assustador. Sully (voz de John Goodman), por seu lado, vem de uma família de grandes assustadores, mas é um ‘baldas’. Uma série de eventos faz com que sejam expulsos do curso e recambiados para o curso de ‘fazer embalagens de gritos’. Desejosos de provar o seu valor e regressar ao curso de assustadores, Mike e Sully fazem uma parceria improvável (aliando-se a outros desajustados) para competirem nos jogos de susto da universidade (a tal linha argumental tirada do filme do Pateta). Obviamente vão ter muitas atribulações pelo caminho, e ambos vão encontrar o seu papel, mudar (um pouco) a sua personalidade e tornar-se amigos no processo. Mesmo assim, no final, depois do concurso acabar, ainda têm uma pequena desventura no mundo dos humanos (com o final nº 2), mas depois ainda há o terceiro final, o tal que é bem conseguido, sobre a forma como finalmente entram na empresa Monsters Inc.
Se por um lado o filme chega a um ponto e parece que nunca mais acaba, a verdade é que a moral que oferece não é forçada (como em Brave, Cars 2 ou Up) e adequa-se ao material apresentado. O filme nunca faz rir a bandeiras despregadas, mas permite momentos de humor bem construídos e pequenas risadas verdadeiras (tal como o filme original). As personagens estão bem trabalhadas e, como disse, a ligação aos eventos do filme original está feita de uma forma inteligente. Se os gráficos não podem ser espectaculares porque filmar uma universidade não é igual a filmar uma cascata, continuam no mais alto padrão de qualidade a nível mundial.
Com ‘Monsters University’ a Pixar continua a somar pontos na técnica da animação por computador, e salva um pouco a cara depois dos desastres (a meu ver, claro está), de ‘Cars 2’ e ‘Brave’. Ao menos ‘Monsters University’ tem uma história (mesmo com elementos pouco originais) que é coerente do início ao fim, e com eventos que não são martelados na história para lhe forçar conteúdo. Eu gostei de ‘Monsters University’ porque era um filme honesto, ou seja, um filme sem pretensões sociais (como Up ou Wall-E), com o intuito de ser apenas bem disposto e colorido para apelar ao público jovem. Nisso é bem sucedido, mas por ser assim acaba por ser ‘apenas’ mais um filme da Pixar. Os olhos já estão todos postos em ‘The Good Dinossaur’ (2014), que chega daqui a um ano precisamente, e ‘Monsters University’ seguirá o seu caminho, singrando no mercado de DVD e Blu-ray certamente, e abrindo alas para outros filmes com a parelha Mike e Sully. Mas ninguém se lembrará de ‘Monsters University’ com o carinho com que nos lembramos de ‘Finding Nemo’, ‘Toy Story’ ou ‘Ratatouille’.
A Pixar tem mais que dinheiro para não ser obrigada a fazer um filme por ano. É imperativo que os senhores da Pixar reencontrem a razão pela qual começaram a fazer filmes de animação. Certamente não foi só para provar a aplicabilidade de uma tecnologia, nem só para fazer dinheiro. Há um outro motivo, um motivo comum a todos os desenhadores que desde Winsor MacCay têm honrado o cinema com as suas produções. A Pixar já sentiu bem esse motivo no coração. Estará lá algures certamente, pronto a ser resgatado. O maior elogio que se pode dar a ‘Monsters University’ é que, no meio de todo o seu espalhafato, focos desse motivo mais nobre da animação, dessa qualidade de surpreender e entreter e maravilhar, estão presentes, como não estavam há já alguns bons anos nas produções sob o logo da Luxor Jr.
Amo animação e por muito tempo adorei a Pixar. Com ‘Monsters University’ reganho um bocado da esperança que tinha perdido. Só preciso agora de ver um filme com uma história (e personagens!) completamente originais, que seja bom e coerente ao longo de todo o filme (e não apenas numa parte dele), para poder acreditar que este estúdio ainda é uma potência da animação de qualidade e duradoira.
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