Realizador: Woody Allen
Actores principais: Owen Wilson, Rachel McAdams, Kurt Fuller
Duração: 100 min
Crítica: Há poucas coisas que são certas na vida. Mas uma delas é que Woody Allen faz um filme por ano, e que esse filme, embora pecando por possuir o mesmo tom e estilo ano após ano, terá sempre um certo nível de qualidade, e constituirá mais uma contribuição de magia (mesmo que pequena) para o grande ecrã. Uma das vantagens de lançar filmes ‘parecidos’ todos os anos é que quando se faz um filme menos conseguido (perífrase para mau), facilmente este é esquecido pelo público com o lançamento do seguinte. O fraco ‘Melinda and Melinda’ (2004) foi seguido do genial ‘Match Point’ (2005). Os esquecidos ‘September’ (1987) e ‘Another Woman’ (1988) foram seguidos pelos muito melhores ‘Crimes and Misdemeanors’ (1989) e ‘Alice’ (1990). Da mesma forma, o (muito) fraco ‘You Will Meet a Tall Dark Stranger’ (2010) foi seguido por uma das melhores contribuições recentes de Allen, ‘Midnight in Paris’, que se encaixa no seu estilo ‘romanticismo em cidade famosas, com um toque de misticismo’.
Tal como ‘Alice’ (1990), ‘Scoop’ (2006), ‘A Midsummer Night's Sex Comedy’ (1982), entre outros, este é um filme que acrescenta um toque de fantástico à fórmula clássica de Allen. Owen Wilson é mais um numa longa lista de actores que tenta imitar o estilo desconexo das personagens principais interpretadas pelo próprio Allen, sem exactamente o conseguir (só Larry David em ‘Whatever Works’ chegou perto). Contudo convence, embora o seu discurso arrastado chegue a ser enervante. Representa o papel de um argumentista de Hollywood, noivo de uma Rachel MacAdams facilmente esquecida (mais uma vez!). Juntos, passam férias em Paris, na companhia dos pais dela (que não gostam dele) e de um casal amigo dela (do qual Wilson, por sua vez, não gosta). Farto de visitar museus e monumentos em tão enfadonha companhia, Wilson, algo bebido, está numa certa rua da cidade Parisiense ao bater da meia-noite. Num verdadeiro toque de ‘Cinderela’, surge uma carruagem que o transporta para os anos 1920 da cidade boémia. Lá conhece Cole Porter, Scott Fritzgerald, Salvador Dali (um hilariante Adrien Brody), Luis Bunuel, Picasso e muitas outras personalidades, bem como uma charmosa (desconhecida) modelo, interpretada com uma imensa joie de vivre por Marion Cotillard, por quem se apaixona. Noite após noite, Wilson regressa ao mesmo sítio, e, ao bater da meia-noite, é sempre transportado para essa era mágica, onde os famosos o ajudam a compreender-se a si próprio, a escrever o seu romance, e a ganhar uma nova paixão pela vida, que nem o mundo ‘real’, nem a sua noiva, lhe podiam oferecer.
Os filmes recentes de Woody Allen, e este sem excepção, são concebidos sobre bases sólidas de muito bons argumentos e interpretações. Contudo, as cenas são filmadas com base somente nestes diálogos e interpretações. A câmara aponta, filma, a cena acaba e passa-se para a seguinte. Falta uma vibração, um elo de ligação que dê um ritmo ao filme. Em muitos filmes, esse elo era o próprio Allen, cuja maneira electrizante de actuar enchia-os de ritmo. ‘Midnight in Paris’, a ter falhas, é essa, tudo se passa no mesmo comprimento de onda. De resto, o filme é mágico, principalmente se o espectador estiver familiarizado com as várias celebridades dos anos 1920 que vão desfilando pelo ecrã. Mas mesmo se não estiver, o romance ‘à antiga’ que o filme proporciona é suficiente para cativar, embora, neste caso, as partes com as celebridades e as piadas internas possam tornar-se maçadoras. Mas acima de tudo é a moral que o filme proporciona que acaba por se tornar a sua jóia da coroa. O que define uma era? O que faz dela boa? Devemos manter-nos ligados ao passado e à riqueza que nele se criou, ou devemos encontrar a nossa própria magia e riqueza no presente, aqui e agora? Wilson chega às suas respostas no clímax do filme. O público, sem dúvida, tirará as suas próprias conclusões.
Com 77 anos, Allen não perdeu o dom. Como no passado, provou que após um filme mau, tem sempre energia e talento para fazer um bem melhor e continuar nesse nível. ‘To Rome With Love’, o seu produto de 2012, não é tão bom como o filme de Paris, mas continua, mesmo assim, mesmo após quase 50 filmes, a apresentar pormenores frescos e de originalidade, muito embora a construção possa, como disse no início, seguir moldes análogos ao espólio anterior.
Estou seguro que ‘Midnight in Paris’, entre esses quase 50 filmes, será certamente um daqueles que será recordado. Tem menos piadas, menos romance, mas tem magia. Ah, e claro, é um postal ilustrado de amor a Paris, rivalizando com o postal ilustrado de amor a Nova Iorque que era ‘Manhattan’ (1979). E, por o ser, há uma cena no cais preferido de Allen, onde já filmara com Peter Sellers em ‘What’s New Pussycat’ (1964) e a cena de dança flutuante de ‘Everyone Says I Love You’ (1996). Uma para os fãs.
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