Realizador: Roger Vadim
Actores principais: Jane Fonda, John Phillip Law, Anita Pallenberg
Duração: 98 min
Crítica: ‘Barbarella’?! Ó meu Deus, o que dizer sobre ‘Barbarella’?! É um daqueles filmes que existe num plano completamente à parte, neste caso regido por coordenadas referentes à abertura e à permissividade sexual que começou a invadir o cinema dos anos 1960. Sucintamente é uma espécie de ode ao espírito do ‘free love’ dos anos 1960, num pacote de comédia/ficção científica, completamente ciente dos seus péssimos efeitos especial, do seu mau gosto e da sua aura super kitsch, mas com um magnífico design de produção e, claro, muito mais importante que isso, uma poderosa sub-corrente erótica.
O realizador Roger Vadim pode nunca ter efeito uma grande grande obra cinematográfica, mas de uma coisa ele percebia, e muito: mulheres. Não é por acaso que o homem viveu, numa década, com três das mulheres mais belas do planeta: Brigitte Bardot, Catherine Deneuve e Jane Fonda. Se com ‘Et Dieu... créa la femme’ (1956), Vadim conseguiu apresentar na perfeição a bomba sexual Bardot ao mundo (ver cena final da dança, muito mais erótica que muitas cenas de sexo por esse cinema fora), em ‘Barbarella’ Vadim conseguiu transformar Fonda (que já era conhecida do público – e que já se tinha despido em filmes anteriores de Vadim) num ‘produto’, digamos assim, completamente novo. Durante 90 minutos, estou seguro que ninguém se lembrou de outra mulher, Bardot ou quem quer que seja. A forma como Vadim revela e explora a sexualidade latente de Fonda está muito à frente do seu tempo. E o que é mais incrível é que o faz sem nunca mostrar, explicitamente, o acto sexual (nos anos 1960 o cinema já era mais permissivo, mas ainda não tanto). Mas quem é que precisa de sexo? Só a cena de abertura, do genérico inicial, chega a ser bem melhor que uma cena de sexo. Fonda faz um strip integral (e eu quero mesmo dizer integral!) do seu fato espacial em gravidade zero, ao som do tema principal e basicamente já não há mais nada a dizer. Desde que revela o seu corpo aos poucos, num dos strips mais bem filmados da história do cinema, Fonda praticamente nunca mais o cobre. A partir daí ela está ou nua, de costas para a câmara (com alguns relances laterais, diga-se), ou coberta com os lençóis das várias camas por onde passa, ou com as indumentárias futuristas/espaciais mais curtas e mais sexys que o cinema já conheceu.
Mas que o leitor não se engane. ‘Barbarella’ não é um produto oco para exibir o corpo de Fonda. Pode não ser muito mais que isso, mas não é só isso. Se mais nada, ao menos detém o título de ser a primeira grande adaptação de imagem real de uma banda desenhada ao grande ecrã. Fonda é Barbarella, uma rapariga de talentos escondidos (bem, talvez não assim tão escondidos) num mundo futurista onde o ‘free love’ reina e onde não existe nem guerra nem armas. Um belo dia, um proeminente cientista, de nome Durand Durand desaparece. E antes que o leitor se ria eu explico. Sim, foi daqui que a famosa banda dos anos 1980 foi buscar o seu nome. O presidente da Terra teme que alguém possa estar a usar o cientista para construir uma arma. ‘Uma arma?’ pergunta uma incrédula Barbarella, sem perceber o que é tal coisa e que algo com um objectivo tão nefasto possa sequer existir.
A missão de Barbarella é encontrar Duran Duran. Esta ‘desculpa’ leva-a de planeta em planeta, e de cidade em cidade, encontrando estranhas personagens e sociedades que na realidade não têm muito intuito de criar ‘metáforas’ ou ‘paralelismos’ à sociedade da altura do lançamento do filme. Não há aqui pretensões de crítica social. A aventura é dada pela aventura. Paralelamente, Barbarella vai para a cama com praticamente todas as personagens masculinas que encontra pelo caminho. A menina é sem dúvida muito propícia ao prazer, primeiro com as novas ‘pílulas do sexo’, mas depois capitulando à ‘maneira clássica’.
Os efeitos especiais deste filme são, claro está, muito pobres, mas creio que o objectivo era serem mesmo assim. Os ‘one liners’ de Fonda, ditos de uma forma mecânica e num tom cómico e divertido, como se ela não estivesse a acreditar naquilo que se está a passar ou nas próprias palavras que está a dizer, bem como os olhares de relance que deita à câmara de quando em quando, provam que ela está perfeitamente ciente do absurdo da maior parte das cenas. Paira aqui, como por exemplo no filme 'The Rocky Horror Picture Show’ (1975), o fantasma dos filmes de série B das décadas de 1940 e 1950. O filme é suposto ser kitch. É suposto ser absurdo. É uma fantasia sexual e uma grande ‘trip’, acima de tudo. Mesmo assim, há coisas que se destacam pela positiva. O opulento desenho de produção é fabuloso e memorável, a fotografia é da mais alta qualidade e até apreciei bastante a banda sonora de pop sinfónico a cargo de um tal Charles Fox. O grande David Hemings tem uma brilhante aparição como o líder da resistência, de nome Dildano (!), uma personagem trapalhona e cómica. E claro, a já mencionada sequência inicial, com o toque do grande Maurice Binder (o guru dos genéricos iniciais de James Bond), destaca-se como um dos melhores genéricos da sétima arte.
Conseguirá Barbarella salvar o Mundo? Conseguirá ela escolher entre os homens todos aquele que lhe dará o maior prazer? Na realidade, o interesse da história e do argumento perde-se no primeiro terço do filme, e o restante parece colado a cuspo para atingir a clássica marca dos 90 minutos. Mas este filme não se tornou um clássico de culto pela sua história, se percebem o que eu quero dizer. Vadim criou um universo sem um profundo significado por detrás mas com uma mensagem levemente espirituosa a roçar a superfície. Contudo, nada disto interessa em comparação com Fonda. Ela retrata uma personagem muito crédula, nada aventurosa, e que salva a galáxia quase por acaso. Mas é, apesar de todas estas coisas, inacreditavelmente sexy, e respira eroticismo por todos os poros. Para isto Vadim não recorre a golpes baixos ou ordinários de cariz cinematográfico. Mas filma Fonda do mesmo modo que detinha controlo sobre ela na vida real (é famoso que ele a persuadia/obrigava a participar em ménage a trois quando eram casados, e que lhe era constantemente infiel). Por seu lado, Fonda deixa-se ser filmada da mesma maneira. Ela é uma heroína submissa, inocente, e disposta a experimentar o prazer. E a câmara é o voyeur para a qual ela constantemente se exibe. Mesmo assim é um processo que resulta. Neste filme Jane Fonda É o prazer, É o ‘amor livre’, e emana isto de todos os poros do seu lindíssimo corpo directamente para a câmara, e directamente para os sentidos mais íntimos do espectador masculino que está do outro lado.
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