Realizador: David Cronenberg
Actores principais: Keira Knightley, Viggo Mortensen, Michael Fassbender
Duração: 99 min
Crítica: O maior elogio (e talvez o único) que se pode dar a este filme de David Cronenberg é que passará a ser a bíblia de todos os estudantes de psicologia. Já o imagino a ser passado nas aulas da faculdade. Já imagino os alunos a terem de escrever trabalhos de 2 mil palavras sobre ele. Já imagino os alunos mais molengões a abandonarem os livros e a verem o filme na véspera do exame. Contudo, não estou propriamente seguro que estes terão uma boa nota se só estudaram a partir do filme.
Cronenberg está longe dos filmes que construíram a sua reputação. Ultimamente, os seus universos surreais mas com pontas acutilantes de humanidade foram substituídos por filmes mais directos e acessíveis, mas que conseguem contudo ainda explorar as vertentes mais violentas do ser humano. ‘A History of Violence’ (2005) é indiscutivelmente uma obra prima, mas mesmo o menos conseguido ‘Eastern Promisses’ (2007) proporciona uma experiência mais recompensadora que ‘A Dangerous Method’, que ostensivamente é um estudo de personagens e da mente, mas que acaba quase como um melodrama, excessivamente a roçar o sentimentalismo barato.
Este filme, tal como os dois anteriores, conta com Viggo Mortensen, aqui no papel de Freud. Contudo, não é ele a personagem principal. O filme é contado da perspectiva de Carl Jung, protagonizado por Michael Fassbender, que continua a dar provas de que vai ser um dos melhores actores desta geração, e que mais cedo ou mais tarde alguém o vai convidar para ser o próximo James Bond.
Mas o filme abre com uma terceira personagem. Keira Knightly é Sabina Spielrein, uma paciente mental, cujo problema é sexual, e que é admitida na clínica de Jung. As primeiras cenas, sem música e com uma câmara muito intimista, mostram as primeiras sessões entre Keira e Fassbender, onde este pretende aplicar o método experimental de psicanálise de Freud, e Keira ostensivamente tem sucessivos ataques e crises que são mais o produto do overacting do que propriamente de uma paciente realmente em dificuldades. Estas cenas são poderosas e abrem uma porta pela qual, infelizmente, o filme não penetra.
É na consequência desta paciente que Jung e Freud se encontram pela primeira vez, e muitas discussões da psicanálise ocorrem, como se um jogo do gato e do rato existisse entre ambos. Contudo, cada vez que trata Keira, e mais tarde quando se envolve com ela, Jung põe em causa aquilo que acredita, ou melhor, faz cedências para tentar continuar a ter tudo: ser o melhor psicanalista do mundo, superar Freud, ter Keira e a mulher ao mesmo tempo, e mesmo assim manter os seus ideais e ajudar os seus pacientes. O filme tenta mostrar a luta de Fassbender com ele próprio enquanto articula todas estas coisas, mas substitui o pessoal pelo dramático. Ou seja, perde-se nas disputas mesquinhas entre o ariano quase egoísta Jung e o judeu ‘pai simpático mas incisivo’ Freud (que se nota estar muito acima intelectualmente), e também no triângulo amoroso entre Jung, a mulher dele e Keira.
A latente sexualidade sempre presente nas sessões, e muito incentivada pela breve aparição de Vincent Cassel como Otto Gross, é apenas expelida de quando em quando. A tentação e o reverter para o instinto animal (associado ao sexual) que Freud defende como causa de todos os problemas e que Jung quer negar com todas as suas forças, parece surgir quando ele capitula a Keira e parece apontar o filme para a direcção a que Cronenberg já nos habituou. Contudo Jung nega esse instinto e deixa Keira para perseguir os seus intentos pessoais, e ao negá-la e ao negar-se, nega também os pontos que o filme poderia atingir, e portanto este acaba por não ter nada que lhe altere o tom moroso.
Este é um filme exclusivamente de diálogos, bem entendido. Mas há várias obras primas que assim o são, portanto o problema não reside aí. Os caminhos possíveis de explorar neste filme eram tantos que é difícil de acreditar que não se optou por nenhum. Em vez disso, o filme debita milhares de noções de psicologia, ditas pelos próprios gurus da especialidade, e depois acaba praticamente no estilo telenovela, ao mostrar as disputas mesquinhas entre as personagens. O filme abre prometendo, e termina não oferecendo nada. Contudo, tem excelentes interpretações (excepto as patacoadas de Keira no início), e o design de produção, em Viena no virar do século, também está muito interessante, embora o background seja estranho. É difícil não notar na pouca naturalidade das pessoas que passam sempre atrás das personagens principais nas várias cenas. Só falta terem um autocolante na testa a dizer ‘extra!’.
O próprio título do filme parece prometer que o método é volátil e os próprios que o aplicam podem ceder às tentações que tentam suprimir. Um espectador fica sempre à espera que tal aconteça. Mas o filme retrai-se, e ao retrair-se perde todo o seu encanto. Pior mesmo é estar estruturado como o livro em que é baseado. São mandadas umas 10 cartas em todo o filme, ou mais. E temos que aturar todas elas, o envio e a leitura. Pouco cinematográfico.
Um filme que os estudantes de psicologia acharão interessante, mas que lhe falta qualquer coisa para que as personagens se transcendam e universalizem, de modo a que os seus problemas sejam cativantes para o público em geral. Cronenberg sabe fazer melhor do que isto. Tenho a certeza. Mas a verdade é que o seu filme seguinte 'Cosmopolis' (2012) é igualmente enfadonho, igualmente vazio por detrás de uma fachada espalhafatosa. Esperemos que brevemente regresse à sua velha forma.
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