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Mata Hari


Ano: 1931

Realizador: George Fitzmaurice

Actores principais:  Greta Garbo, Ramon Novarro, Lionel Barrymore

Duração: 89 min

Crítica: A ‘tagline’, ou seja, a frase publicitária do filme ‘Anna Christie’ (1930), o primeiro filme sonoro de uma das mais míticas actrizes do Cinema mudo, Greta Garbo, continha apenas duas palavras ‘GARBO TALKS!’. Ao contrário de outros actores do mudo que se perderam no universo do sonoro, a mística da deusa sueca foi ainda mais exacerbada quando a sua voz grave e arrastada flutuou pela primeira vez nas salas de cinema. O público rendeu-se imediatamente, aceitou a sua voz e sorveu as suas palavras com uma atenção quase hipnótica. Para além do mais Garbo também provou que sabia actuar nos ‘talkies’, e que tinha um leque de emoções, tão dignos da diva que era, para papéis com profundidade e dimensão.

De ‘Anna Christie’ a ‘Mata Hari’, no curto espaço de um ano, Garbo fez 3 filmes, consolidando o seu estatuto de maior estrela da MGM, num dos períodos mais prolíferos deste estúdio, sobre a tutela do ‘rapaz prodígio’, o chefe de produção Irving Thalberg. ‘Mata Hari’ é ‘apenas’ mais um filme deste período de grande criatividade, e é claramente um projecto que teve a directa influência de Thalberg. É perceptivelmente um ‘star vehicle’, ou seja, um filme concebido com o único intuito de capitalizar no endeusamento de Garbo, e de criar um papel que se ajustasse perfeitamente à sua personalidade (se não a verdadeira, pelo menos aquela criada para os fãs). Por outras palavras, é um filme que sai claramente de uma linha de produção bem oleada, e não é por acaso que o seu realizador nem sequer é mencionado nos créditos (um tal de George Fitzmaurice). Basicamente, este senhor era apenas alguém que estava no plateau a seguir as ordens que Thalberg enviava do seu gabinete. Felizmente este esquema funcionava na altura, e o filme não tem nenhuma perda de qualidade por causa disso. A ‘rotina’ nesta época de ouro era sinónimo de ‘bom’.

Em ‘Mata Hari’ Garbo não se limita a falar. Também dança, embora com muito menos impacto. É-lhe dada praticamente toda a liberdade emocional para fazer o que ela fazia melhor, embora seja perceptível neste filme que está bem mais extrovertida do que é habitual nas suas performances, algo que poderá ser uma directa influência do papel que está a desempenhar. Como o título indica (aliás os títulos dos seus maiores sucessos são precisamente o nome da sua personagem, ‘Queen Christina’, ‘Ninothcka’, ‘Camille’ – o reflexo do sistema de estúdios e estrelas) Garbo interpreta a famosa dançarina que durante a primeira Guerra Mundial se tornou uma das mais famosas espias da história, ao usar os seus charmes e atributos para extrair segredos de guerra aos oficiais parisienses e vendê-los aos alemães.

O início do filme está muito bem conseguido. A presença etérea de Garbo é sentida mas ela não é vista. A história começa a desenrolar-se sem avançar muito, simplesmente para criar uma espectativa, a espectativa do aparecimento de Garbo, o que só acontece passados 10 minutos (o que é muito num filme com 89 min). Ela aparece em palco, a dançar, e nota-se que é mesmo ela, sem uso de uma dupla de dança. Para os padrões actuais, a sua dança não é nada de especial, mas aparentemente os homens (pelo menos os do filme) ficam loucos com a sua sensualidade. Felizmente, não a voltamos a ver a dançar, mas mesmo se não formos convencidos pela sua dança, logo na cena a seguir, quando fala e se movimenta e começa a revelar a sua personalidade, há tanto carisma, tanta sensualidade na forma como se move em cena, na forma como a câmara a capta, que somos imediatamente transportados para o seu Mundo, um mundo em que ela é, realmente, Mata Hari, a mulher que levou tantos homens à perdição.

A história é claramente o ponto mais fraco do filme. Os alemães dão a Mata Hari a missão de roubar uns papéis que foram trazidos da Rússia para Paris pelo jovem oficial Roman Novarro (o actor que foi Ben-Hur na versão muda de 1925). Entretanto, Mata está a exercer os seus charmes noutro general (interpretado pelo grande Lionel Barrymore), numa tentativa de sacar ainda mais segredos. Entre intrigas e seduções, Garbo rouba os papéis, mas claro, num twist previsível, apaixona-se pela personagem de Novarro. Esta paixão acaba por provocar a sua queda, e no terceiro acto do filme ela é acusada de traição e condenada. As últimas cenas do filme, com torrentes de emotividade, que retratam um Novarro cego (pois teve um acidente) e uma Garbo prestes a enfrentar um pelotão de fuzilamento, estão concebidas ainda no formato excessivamente melodramático associado aos filmes mudos, e com o intuito de provocar rios de lágrimas nas audiências de 1931. Portanto, não estão em sintonia com o ritmo do resto do filme. Para além do mais, as personagens de Garbo e Novarro viram-se no máximo três ou quatro vezes durante todo o filme, portanto o seu amor ‘Romeu e Julieta’, retratado como trágico e imortal, é um bocado difícil de digerir. Mesmo assim, cinematograficamente, este melodramático último acto é a melhor parte do filme. O jogo de sombras na fotografia a preto e branco está muito bem conseguida e os close-ups da face de Garbo provam porque é que esta nasceu para ser filmada, e porque é que o close-up emotivo era a sua especialidade na época do mudo. 

Este filme com pouco mais de 85 minutos acaba por ser, como disse acima, um típico produto da época. É curto, a história segue uma linha recta, o argumento é quase inteiramente baseado em diálogos (quase nada em ‘acção’), é inteiramente filmado em ‘interiores’ (leia-se cenários) e a câmara está praticamente sempre estática. Mas tudo isto é apenas uma contextualização para salientar aquilo que realmente interessa. Quem viu e quem verá este filme no futuro estará pouco interessado na história. Aliás, estará pouco interessado em alguma coisa que não seja Garbo (uma falta de interesse que o filme partilha, diga-se). Estae poder, esta atracção pela ‘estrela’ já não existe no cinema moderno. Após entrar em cena ao passar do décimo minuto, Garbo não mais abandona a câmara. É difícil ou impossível encontrar uma cena depois disso em que ela não entre. E é isso que o público quer ver, era isso que o público pagava para ver na altura e desejava ver uma e outra vez, em filmes com estruturas recicladas mas que mantinham sempre um elevado nível de qualidade.

‘Mata Hari’ representa mais um fantástico triunfo de actuação para Garbo. É um raro exemplo em que ela não se contém, não é tímida ou introvertida, e está absolutamente a par de outras performances em termos de sensualidade. O seu leque de emoções passa da confiança ao medo, e depois para um amor desenfreado e trágico, e ela ataca cada um destes patamares emocionais com tanta intensidade que é impossível não sentir o peso da história, não sentir estas torrentes que jorram dela e que passam através da câmara para o ecrã. Os seus maiores sucessos do sonoro, ‘Grand Hotel’ (1932), ‘Camille’ (1936) e ‘Ninotchka’ (1939) estavam ainda para vir, e ‘Mata Hari’, uma história simples sobre o amor e a espionagem, é um filme menor quando comparado com estes. Mas a performance de Garbo não é inferior, e isso, 80 anos volvidos, é que permanece no imaginário cinematográfico.


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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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